Um Futuro para o qual fazer parte é a única escolha - Discurso do 24 de junho – Dia Um de Portugal


I.
O que existirá de comum entre o papel do indivíduo e do coletivo nas batalhas que foi preciso travar para que pudesse nascer um país? Para que pudesse acontecer Portugal? As batalhas e os conflitos históricos, outrora travados, evidenciam o papel crucial de Heróis e Líderes, mas o sucesso que viria a constituir aquela que é chamada a “Primeira Tarde Portuguesa”, resulta de uma ação conjunta, de uma soma de vontades em prol de um objetivo comum: o de alcançar a independência e a soberania.
E este país que hoje comemoramos, feito de valorosos homens e mulheres, foi o resultado dessa ação conjunta, liderada por Afonso Henriques, que viria a ser coroado primeiro rei de Portugal. Ele, o infante, soube merecer a confiança do seu exército, para que fosse possível, com audácia e coragem, fazer nascer uma Nação.
Prestes a completar 900 anos, o 24 de Junho de 1128, dia da Batalha de São Mamede, foi um momento de superação coletiva e de vontade de mudança, um ponto de partida claro e inequívoco, que nos coloca hoje no lugar que é pilar da fundação de Portugal. A data que hoje celebramos, como marco fundamental na nossa história, é um orgulho que partilhamos, e que queremos que seja celebrado em todo o país, como o DIA UM DE PORTUGAL.
II.
A coroação de Afonso Henriques como primeiro rei de Portugal é um ponto de referência na história militar e política do nosso país, e moldou a natureza e a estrutura das nossas forças armadas. Estas herdaram, do Infante e das suas tropas, a coragem e a audácia das ações que dedicam, devotamente, à Pátria.
Está, pois, desde a Fundação, a História do Exército Português diretamente ligada à História de Portugal. E está também a História do Exército Português ligada à coragem demonstrada na jornada que nos devolveu a Liberdade, essa mesma Liberdade que Dom Afonso Henriques reclamara e conseguira para o que viria a ser o seu país, o nosso país.
Quando Salgueiro Maia liderou uma coluna militar, que partiu de Santarém para Lisboa, onde enfrentou as forças leais ao regime, com risco da própria vida, e da vida das tropas por si comandadas, mais uma vez na nossa História, o papel do indivíduo foi decisivo.
No ano em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril de 1974, importa invocar a importância da superação coletiva, da coragem compartilhada, e do poder transformador da unidade, em prol de um objetivo comum.
O 25 de Abril de 1974 não é apenas celebrado como um marco histórico. É também celebrado como lição atemporal de resiliência e colaboração.
III.
Aqui chegados, mais do que tentar analisar uma batalha que marcou decisivamente o destino de um povo, ou de estudar uma revolução que marcou decisivamente o destino de um país, importa tomar consciência de que o destino de um povo pode mudar numa batalha e o de um país numa revolução.
Para superar o incomensurável, é necessária uma força e determinação inabaláveis, que só sinergias e vontades, que resultam da cooperação entre os indivíduos, entre cada um de nós, são capazes de catapultar. Ainda que a identidade individual seja determinada por pertenças impossíveis de generalizar, sem as quais não nos poderíamos distinguir do outro, o indivíduo, com o seu empenho, talento e conhecimento, desempenha um papel essencial na construção do futuro coletivo.
O futuro das comunidades, cidades e territórios não pode prescindir desta singularidade, que nos leva à descoberta de novos caminhos e à diversidade de pensamento, e que promove a inovação e o progresso, permitindo que a comunidade enfrente, mais bem preparada, os seus desafios. Afinal, é a singularidade a matéria-prima da História.
Importa, contudo, refletirmos, como pensava Rousseau, no que há de diferente entre a vontade de todos – que não é mais do que a soma das vontades individuais – e a vontade geral – que tem em conta o resultado das ações de cada um de nós no coletivo. Importa superar as dificuldades das sociedades complexas, em que cada indivíduo se vê no direito de satisfazer os seus próprios interesses, e que colocam dificuldades à determinação de um conceito que, hoje, parece desacreditado. Um conceito que nós, os que têm responsabilidades políticas, sabemos que é irrenunciável: o BEM COMUM.
IV.
A determinação do bem comum é um processo que deve ter em consideração princípios éticos, que conduzam à implementação de políticas justas e equitativas, e que considere a composição heterogénea da sociedade, no que diz respeito a necessidades, interesses e valores. Parece-me consensual a noção de bem comum envolver o bem-estar coletivo e individual, a justiça, o respeito por todos e a solidariedade. Uma solidariedade que nos implica a todos neste caminho coletivo.
Mas, o bem comum exige também a adoção de critérios de racionalidade, ancorados em projetos de longo prazo, de alcance intergeracional, que resultem de um entendimento sobre que caminho queremos percorrer, e que só ciclos de governação longa permitem. Os sistemas democráticos devem saber vencer, no presente, o seu exclusivismo temporal, e não deixarem que “a tirania das pequenas decisões” hipoteque o futuro coletivo.
Como escreve Daniel Innerarity, filósofo basco, no seu ensaio “O Novo Espaço Público”: (...) quem se serve da semântica do bem comum terá de deixar-se medir por ele, deve estar em condições de justificar publicamente em que medida o seu comportamento satisfaz esse princípio.
O nosso bem comum, o de Guimarães está ao alcance do poder do coletivo a que aspiramos.
V.
Ainda que a importância histórica de uma determinada ação não seja determinada pelos seus protagonistas, o poder do coletivo a que aspiramos, em Guimarães, fruto do trabalho desenvolvido pela Estrutura de Missão Guimarães 2030, e de um Ecossistema de Governança, de base bastante alargada e multidisciplinar, com responsabilidade partilhada entre elementos técnicos, científicos e políticos, permite-nos figurar entre as 100 cidades que servirão de referência e de farol no caminho rumo à neutralidade climática na Europa.
Nós, que também aspiramos ao título de Capital Verde Europeia 2026, e que olhamos para uma comunidade como a soma de bens coletivos, oportunidades e riscos comuns, sabemos que a destruição do meio ambiente coloca em causa a sustentabilidade e é lesiva para os direitos das gerações futuras, o que transforma este caminho de bem comum em obrigação e compromisso.
O poder do coletivo a que aspiramos, em Guimarães, coloca-nos hoje na rampa de lançamento para o que se denomina de “Nova Economia do Espaço”, e para a qual são fundamentais os cursos de Engenharia Aeroespacial e Ciência de Dados da Universidade do Minho, o Guimarães Space Hub, polo tecnológico para a cooperação no setor do espaço, nas vertentes empresarial, ensino e investigação, e o supercomputador Deucalion, da Rede Europeia de Alta Computação.
É esse mesmo poder do coletivo o responsável pelo desenvolvimento de parcerias entre o Município e as suas instituições de ensino, cujo objetivo é estreitar relações entre o tecido económico e os centros de Investigação e Desenvolvimento, e criar condições para o nascimento de projetos e de investimentos de grande valor inovativo e disruptivo.
Projetos de Futuro, também da perspetiva da Fábrica, da Fábrica do Futuro, um programa transformador que fará da indústria tradicional de Guimarães uma indústria de Base Tecnológica, continuando a afirmar o nosso território como um dos mais exportadores do país. Projetos de Futuro que acrescentam novas camadas na atividade socioeconómica de Guimarães, que nos permitem pensar em figurar em novos radares nacionais e internacionais, como os da restauração e hotelaria, com a entrada em funcionamento da futura Escola-Hotel do IPCA.
O poder do coletivo a que aspiramos, em Guimarães, torna possível o desenvolvimento de um novo urbanismo, mais eficiente e sustentável, para o qual os contratos de planeamento, com vista ao aumento da área de construção industrial e urbana, que resultam da articulação entre o investimento privado e a estratégia Municipal, são um importante passo. Um passo que ultrapassa o caráter individual dos projetos, modificando os interesses particulares através da argumentação pública, e que faz da política uma cooperação inteligente com vista ao bem comum.
Esta nossa aspiração, a de Guimarães, permite-nos pensar o território como um lugar mais acolhedor e humano, onde a qualidade de vida e o bem-estar são as principais prioridades. Com a expansão das áreas pedonais, criamos espaços públicos que promovem o encontro e a convivência, não só beneficiando os cidadãos, mas fortalecendo a sociedade como um todo. É o que faremos em todo o concelho e também no centro da cidade, através de uma pedonalização que evidenciará o contínuo que hoje, com a inclusão de Couros, duplica a área inscrita na lista da UNESCO, como Património Cultural da Humanidade.
O poder do coletivo a que aspiramos, em Guimarães, permite-nos pensar no futuro da mobilidade, na ligação à futura estação de Alta Velocidade, na interligação dos sistemas de transporte do Quadrilátero Urbano, na transição digital e económica, na reconversão e formação de recursos humanos que a futura Academia de Transformação Digital permitirá.
Permite-nos olhar para a Saúde com os olhos de quem vê no diagnóstico pré-hospitalar o caminho para um território mais saudável, investindo em Centros de Saúde de nova geração.
Ou olhar para a biotecnologia e para a medicina regenerativa como uma oportunidade única de diversificação e crescimento e como uma oportunidade para afirmar o nosso território numa área emergente e de grande valor acrescentado.
Senhor Ministro da Educação, Ciência e Inovação,
Doutor Fernando Alexandre,
Guimarães é uma cidade que considera a Educação e o Conhecimento, a par da Cultura, como pilares fundamentais de desenvolvimento do território. Uma cidade que aspira sempre a mais, como é prova a Licenciatura em Desporto que passará a figurar da oferta académica do Instituto Politécnico do Cávado e do Ave, e que funcionará, já no próximo ano letivo, em Guimarães, a acrescentar à da Escola Hotel e às da Engenharia Aeroespacial e da Ciência dos Dados da Universidade do Minho.
Educação, Conhecimento e Cultura que, sabemos, nos conduzem a um maior respeito pelos demais, a uma melhor compreensão de quem somos, como somos e desejamos ser, à consciência da finitude, na base da evolução e da biodiversidade, da emoção e da benevolência da nossa condição humana, e, consequentemente, melhor coesão social, numa sociedade decente.
Mas que também nos empoderam, nos qualificam, nos proporcionam mais e melhor conhecimento, fundamental para o equilíbrio que pretendemos estabelecer entre uma forte consciência ecológica e um crescimento do tecido económico, cada vez mais inovador, gerador de riqueza e de bem-estar social.
VI.
As ilustres instituições e personalidades que hoje homenageamos e a quem atribuímos condecorações, deliberadas em reunião do Executivo Municipal e Assembleia Municipal, são a prova de que a ampliação reflexiva do interesse próprio, concebido como algo que se constrói em comum, tem efeitos e consequências sistémicas inestimáveis e de superlativo impacto na vida de Guimarães e de Portugal.
O Comércio de Guimarães, Escola de Engenharia da Universidade do Minho, Exército Português, Irmandade de São Torcato; Roriz Mendes, Paulo Novais, Rodrigo Areias, Dulce Félix, Rui Bragança, Cristina Vaz.
Reconhecemos no vosso trabalho um exemplo a seguir no caminho coletivo a que aspiramos. Guimarães está-vos agradecida.
Pensar o bem comum de uma comunidade é também problematizar o próprio conceito de comunidade, numa altura em que desafios globais dispersam a noção de “cá” e “lá”, de “nós” e “eles”. Por esse motivo, Guimarães agradece a presença dos dignos representantes das cidades geminadas, que nos deram a honra da sua presença. Estão representadas, nesta sessão solene, as cidades de Compiègne (França), Igualada (Espanha) e Kaiserslautern (Alemanha). A troca de experiências com uma tão alargada geografia de cidades é fundamental para uma amplitude de horizontes que nos enriquece e nos inspira a seguir um caminho coletivo que queremos partilhar com o mundo.
VII.
A análise profunda das democracias e das suas dinâmicas sociais e políticas, efetuada por Alexis de Tocqueville, pensador político francês do século XIX, ressoa em todos os espectros políticos contemporâneos. Evidencia os perigos de um crescente individualismo que ameaça um futuro mais partilhado e, consequentemente, mais promissor.
Tocqueville escreveu:
Cada pessoa mergulhada em si mesma, comporta-se como se fora estranha ao destino de todas as demais. Os seus filhos e os seus amigos constituem para essa pessoa a totalidade da espécie humana. Nas interações com os seus concidadãos, ela mistura-se com eles, sem, no entanto, vê-los. Toca-os, mas não os sente. Existe apenas em si mesma e para si mesma. E se, nestas condições, um certo sentido de família ainda permanecer na sua mente, já não lhe resta qualquer sentido de sociedade.
Quando se cultiva um espírito e objetivo coletivos, e uma visão compartilhada, os indivíduos sentem que fazem parte de algo maior, de algo por que vale a pena lutar. Este propósito, que funde indivíduo e coletivo, fortalece o sentimento de pertença vimaranense e a sua forte identidade comunitária, e constrói uma sociedade melhor.
Guimarães pode fazer-se ainda melhor, se conseguir reunir um conjunto de vontades que, não olhando a interesses de pura índole individualista, saibam vislumbrar horizontes de diversificação e diferenciação, numa lógica de investimento conjunto que potencie o que de mais disruptivo e inovador o sistema tecnocientífico do território tem para oferecer.
Ainda que o mais cómodo seja deixar tudo nas mãos do poder eleito,
numa constelação, que não está centrada num ator individual, o poder cria (...) uma continuidade. Constitui a gravitação de uma totalidade que enlaça umas partes com as outras, intermediando entre elas.
Byung-Chul Han
Tomemos consciência da importância de cada um de nós na construção de uma sociedade mais coesa e solidária, mais próspera e justa, mais sábia e feliz.
O que existe de comum entre o papel do indivíduo e do coletivo, na construção de uma comunidade? O que existe de comum é a sua natureza imprescindível.
Como imprescindível foram a Batalha de São Mamede, nas cercanias do Castelo de Guimarães, e o seu líder Dom Afonso Henriques, alicerces fundacionais de Portugal, que nos inspiram para o querer coletivo de todos os Vimaranenses, na construção do Futuro da nossa cidade e do nosso território. Para o Futuro de uma comunidade inteira, coesa na pertença e identidade, laçada pela coragem, esperança e sageza.
Um Futuro para o qual fazer parte é a única escolha.
Viva o 24 de Junho de 1128.
Viva Guimarães e viva a força do seu coletivo.
Viva Portugal.