Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital

A Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, aprovada pela Lei n.º 37/2021, publicada no passado dia 17 de maio, consubstancia um passo importante no ordenamento jurídico nacional, consagrando direitos aplicáveis no âmbito digital e determinando que as normas que, na ordem jurídica portuguesa, consagram e tutelam direitos, liberdades e garantias, são plenamente aplicáveis no ciberespaço.
Através da publicação deste diploma legal a República Portuguesa participa no processo mundial de transformação da Internet num instrumento de conquista de liberdade, igualdade e justiça social e num espaço de promoção, proteção e livre exercício dos direitos humanos, com vista a uma inclusão social em ambiente digital.
Esta carta reflete, para o mundo digital, os direitos consagrados na Declaração Universal dos Direitos do Homem e, ao nível nacional, os direitos, liberdades e garantias, bem como os direitos fundamentais de natureza análoga, constantes da Constituição da Républica Portuguesa.
Numa era cada vez mais digital, aumenta a necessidade de proteger a vida dos cidadãos que utilizam a internet, preocupação que já vinha sendo ponderada noutras instâncias, com destaque para a Carta Europeia dos Direitos Fundamentais, o Regulamento (UE) 2016/679, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016 (“RGPD”) e o Regulamento (UE) 2015/2120 de 25 de novembro de 2015.
Ao longo dos vinte e três artigos do diploma são enunciados vários direitos.
Para além do direito geral constante do artigo 2.º, a consagração dos direitos, liberdades e garantias em ambiente digital encontram-se expressamente reconhecidos nos artigos 3.º ao 21.º, nomeadamente: o direito de acesso ao ambiente digital; a liberdade de expressão e criação em ambiente digital; a garantia do acesso e uso; o direito à proteção contra a desinformação; os direitos de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital; o direito à privacidade em ambiente digital; o uso da inteligência artificial e de robôs; o direito à neutralidade da Internet; o direito ao desenvolvimento de competências digitais; o direito à identidade e outros direitos pessoais; o direito ao esquecimento; os direitos em plataformas digitais; o direito à cibersegurança; o direito à liberdade de criação e à proteção dos conteúdos; o direito à proteção contra a geolocalização abusiva; o direito ao testamento digital; os direitos digitais face à Administração Pública, os direito das crianças; a ação popular digital e outras garantias.
Do elenco atrás referido, e para a realidade prática do funcionamento de uma autarquia local, destacamos os direitos digitais face à Administração Pública, constantes do art.º 19.º, segundo o qual a todos é reconhecido o direito:
a) A beneficiar da transição para procedimentos administrativos digitais;
b) A obter informação digital relativamente a procedimentos e atos administrativos e a comunicar com os decisores;
c) À assistência pessoal no caso de procedimentos exclusivamente digitais;
d) A que dados prestados a um serviço sejam partilhados com outro, nos casos legalmente previstos;
e) A beneficiar de regimes de «dados abertos» que facultem o acesso a dados constantes das aplicações informáticas de serviços públicos e permitam a sua reutilização, nos termos previstos na lei;
f) De livre utilização de uma plataforma digital europeia única para a prestação de acesso a informações, nos termos do Regulamento (UE) 2018/1724 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de outubro de 2018.
No entanto, e para que o exercício destes direitos seja possível, será também necessário assegurar, previamente, aos cidadãos o direito de acesso ao ambiente digital (art.º 3.º), devendo o Estado garantir "em todo o território nacional conectividade de qualidade, em banda larga e a preço acessível", promovendo a criação de uma tarifa social de acesso à Internet para clientes economicamente vulneráveis, a existência de pontos de acesso gratuitos em espaços públicos como bibliotecas, jardins e serviços públicos ou ainda a continuidade do domínio “.pt”. É também importante garantir o direito ao desenvolvimento de competências digitais, constante do art.º 11.º, nomeadamente através da promoção e execução de programas que incentivem e facilitem o acesso, por parte das várias faixas etárias da população, a meios e instrumentos digitais e tecnológicos, por forma a assegurar, designadamente, a educação através da Internet e a utilização crescente de serviços públicos digitais.
A Carta entrará em vigor no próximo mês de julho, 60 dias após a sua publicação, conferindo, assim, a todos, cidadãos, entidades públicas e entidades privadas envolvidas na promoção e desenvolvimento dos direitos e garantias constantes deste documento, a possibilidade de analisar o seu conteúdo e adaptar as respetivas organizações para que os direitos atrás referidos não fiquem apenas garantidos pela via legal, mas que tenham, efetivamente, uma aplicação prática e sirvam o intuito do legislador: a inclusão social de todos em ambiente digital e a respetiva proteção.
Elsa Almeida
Chefe da Divisão Jurídica