JURISPRUDÊNCIA

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proc. n.º 650/19.1BELRA, de 02-06-2021
Perda de mandato autárquico
I. Para se aferir do grau de culpa do Recorrido há que considerar a diligência e aptidão que seria de esperar, de acordo com as circunstâncias do caso, de alguém medianamente diligente que exercesse as mesmas funções.
II. O Recorrido aceitou como bons os pareceres e informações do seu assessor jurídico que, aos olhos de um não jurista, como é o caso do Recorrido, podem apresentar-se como justificadamente fundamentadas.
III. Em tais circunstâncias não é razoável concluir que o Recorrido actuou de forma grosseira, com diligência manifestamente inferior à que seria de esperar de um Presidente de Câmara medianamente diligente.
IV. O escopo das normas que regem a responsabilidade civil a título de culpa in elegendo é diverso das que constam nos artigos 7.º, 8.º, n.º 1, al. d) e 9.º, al. a), da LTA, que preveem a aplicação da sanção de perda de mandato e donde decorre um princípio geral de responsabilidade por facto pessoal.
Síntese: Para se aferir do grau de culpa de um eleito local há que considerar a diligência e aptidão que seria de esperar, de acordo com as circunstâncias do caso, de alguém medianamente diligente que exercesse as mesmas funções. Na circunstância de um Presidente de Câmara ter aceite como bons os pareceres e informações do seu assessor jurídico que, aos olhos de um não jurista, como é o caso deste eleito local, podem apresentar-se como justificadamente fundamentadas, não é razoável concluir que o mesmo tenha atuado de forma grosseira, com diligência manifestamente inferior à que seria de esperar de um Presidente de Câmara medianamente diligente. O escopo das normas que regem a responsabilidade civil a título de culpa in elegendo é diverso das que constam nos art.ºs 7.º, 8.º, n.º 1, al. d) e 9.º, al. a), da LTA, que preveem a aplicação da sanção de perda de mandato e donde decorre um princípio geral de responsabilidade por facto pessoal.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proc. n.º 47/21.3BECBR, de 21-05-2021
Intimação para passagem de certidão; documento administrativo; documento nominativo; presunção; princípio da administração aberta; dados pessoais.
1 - Tendo subjacente o princípio da administração aberta, dispõe o artigo 5.º, n.º 1 da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto [LADA], sob a epígrafe “Direito de acesso”, que qualquer pessoa [o legislador refere “Todos”] tem direito de acesso aos documentos administrativos, compreendendo designadamente a sua consulta e a sua reprodução, sem que para tanto lhe esteja assacado qualquer dever de fundamentar esse seu interesse.
2 - Nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b) da LADA, é “Documento administrativo”, qualquer conteúdo, ou parte desse conteúdo, que esteja na posse ou seja detido em nome dos órgãos e entidades referidas no artigo 4.º do mesmo diploma [designadamente das autarquias locais, e de entre estas, a Freguesia], e “Documento nominativo”, o documento administrativo que contenha dados pessoais, definidos nos termos do regime legal de proteção de dados pessoais.
3 - Mas não sendo o direito de acesso um direito absoluto, disciplinou o legislador as situações em que pode ocorrer a sua restrição [Cfr. artigo 6.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto], sendo que em torno do acesso a documentos administrativos nominativos por parte de terceiro, o mesmo só tem direito de acesso se estiver munido de autorização escrita do titular dos dados a que quer aceder, ou se demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante, após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação [Cfr. n.º 5 do referido artigo 6.º].
4 - Se o pedido de certidão requerida pela representada do Requerente respeitante aos documentos da despesa por conta da rubrica 01.001.01.00.00, levará a que a mesma fique a saber, ou fique a conhecer quem e quanto receberam os eleitos da Requerida nos anos de 2014 e 2015, muito obviamente que esses dados são intrinsecamente pessoais, porque apenas esses eleitos e só esses podem auferir essas quantias no âmbito e por causa das funções para que foram eleitos, mas que não podem todavia ser considerados “dados pessoais”, para sob essa designação caírem na previsão normativa a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do artigo 3.º da Lei 26/2016, de 22 de agosto.
5 - Atento o disposto no artigo 6.º, n.º 9 da LADA [na redacção conferida pelo artigo 65.º da Lei n.º 58/2019 de 8 de agosto, que assegurou a execução na ordem jurídica interna, do Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, relativo à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, designado abreviadamente por Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD)], mesmo que os documentos requeridos pela representada do Requerente fossem tidos como atinentes a documentos nominativos, sempre teria de se presumir que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos, por não estarem em causa documentos que contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.
Síntese: Os documentos administrativos que contenham informação sobre as remunerações e abonos pagos a eleitos locais, apesar de conterem dados que são intrinsecamente pessoais, porque apenas esses eleitos e só esses podem auferir essas quantias no âmbito e por causa das funções para que foram eleitos, não podem, todavia, ser considerado como documentos nominativos, uma vez que aqueles dados não correspondem a “dados pessoais”, na aceção normativa a que se reporta a alínea b) do n.º 1 do art.º 3.º da Lei n.º 26/2016, de 22 de agosto (LADA).
Mesmo que os documentos requeridos fossem tidos como atinentes a documentos nominativos, sempre teria de se presumir que o pedido se fundamenta no direito de acesso a documentos administrativos, por não estarem em causa documentos que contenham dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à vida sexual ou à orientação sexual de uma pessoa.