JURISPRUDÊNCIA

JURISPRUÊNCIA
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 05/02/2021 - Processo n.º 00233/20.3BECTB
Contratação pública – Programa do procedimento – Requisitos de habilitação dos concorrentes – Alvará
Este acórdão sumaria o seguinte: “1 - Os requisitos de habilitação elegidos pela entidade adjudicante no âmbito do Programa do Procedimento, são exigíveis não apenas ao adjudicatário, mas a todos os concorrentes, os quais devem ser passíveis de ser aferidos logo com a apresentação das suas propostas. 2 - Enquanto entidade adjudicante, o Réu Município tinha de aferir, obrigatória, necessária e legalmente, sobre se os concorrentes eram detentores das qualificações para executar a obra pública, em todas as suas dimensões [designadamente, edificação e instalações técnicas], o que devia ocorrer logo na fase da apresentação das propostas, e não apenas aquando da fase da adjudicação. 3 - Da concatenação dos pontos 9.4 e 12 alínea d) do Programa do Procedimento, resulta inequívoco que quem não evidencie a titularidade de alvará contendo as devidas autorizações e por referência às classes a que se reportavam os preços parciais, demonstra a insuficiência da sua proposta, e assim a inevitabilidade da sua exclusão face ao disposto no artigo 57.º, n.º 1, alínea c) do CCP. 4 – Fazendo apelo às regras da experiência comum, seria irrazoável, e até violador dos princípios da concorrência e da igualdade, assim como do dever geral de boa administração, que uma entidade adjudicante prosseguisse todo um procedimento tendente à contratação da execução de obra pública, admitindo uma proposta em que, patentemente, dela constam expressas referências de que a concorrente/proponente não é titular de alvará numa concreta subcategoria/categoria, que é exigido no Programa do Procedimento, e que a mesma [entidade adjudicante] admita como válida uma declaração desse concorrente/proponente, produzida no sentido de que, virá a suprir essa ausência de identificação, caso a obra lhe seja adjudicada, quando é exigido, e sabido, que face ao que a entidade adjudicante definiu no Programa do Procedimento o concorrente tem de ser detentor de alvará em todas as autorizações requeridas, ou então, não o sendo, que tinha, no seu próprio e único interesse, de indicar logo no âmbito da sua proposta o subcontratado que o seja.”
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 05/03/2021 - Processo n.º 01340/20.8BEPRT
Contencioso pré-contratual – Decisão de não adjudicação.
Sobre esta matéria, este acórdão refere que: “1- Nos termos do artigo 76.º, n.º1 do CCP impende sobre a entidade adjudicante o dever de adjudicação, o qual traduz o exercício de um poder vinculado por parte da entidade adjudicante, e como tal, está excluído do elenco de matérias em que predomina o exercício de poderes discricionários, quer quanto ao modo de agir, quer quanto ao sentido ou conteúdo do dever de agir, quer, ainda, quanto ao juízo de oportunidade do agir. 2- O dever de adjudicar não é absoluto, podendo extinguir-se perante a necessidade de melhor acautelar o interesse público, como sucede nas situações que o legislador enunciou taxativamente nas várias alíneas do n.º1 do artigo 79.º, do CCP, onde se podem diferenciar causas de não adjudicação justificadas por razões de ordem subjetiva (alíneas a), b), e), f) e g) do n.º1 do art.º79.º do CCP) e causas de não adjudicação justificadas por razões de natureza objetiva (cfr. alíneas c) e d) do n.º 1 do art.º 79.º do CCP). 3- Tendo a entidade adjudicante verificado que à satisfação do interesse público melhor se coaduna que o serviço de georreferenciação da rede de saneamento do Município abranja a georreferenciação completa das ETAR`s, está-se perante uma circunstância imprevisível, enquadrável na previsão da alínea c) do n.º1 do artigo 79.º do CCP, não se concebendo que em tal circunstancialismo ficasse algemada à decisão de contratar, só porque essa necessidade podia ter sido prevista ab initio e não foi.”
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 04/03/2021 - Processo n.º 123/17.7BELSB
Código de contratos públicos – Exclusão da proposta que falseia a concorrência – Empresas com fortes laços de interdependência – Presunção do conhecimento mútuo das propostas e de concertação de preços.
Defende este Acórdão o seguinte: “I - O art.º 70.º, n.º 2, al. g), do Código dos Contratos Públicos (CCP) remete para as regras do Direito da Concorrência e designadamente para a Lei n.º 19/2012, de 08/05, que aprovou o novo regime jurídico da concorrência; II – Empresas juridicamente distintas mas que mantêm entre si fortes laços de interdependência, devem ser consideradas como sendo uma única empresa para efeitos do art.º 3.º da Lei n.º 19/2012, de 08/05; III – Duas sociedades por quotas, que pertencem a dois sócios, que são casados entre si em regime de comunhão de adquiridos, em que o sócio marido detém a maioria do capital em ambas as sociedades, devem ser consideradas uma só empresa para efeitos daquele artigo; IV- Em matéria da concorrência, para a noção de empresa há que atentar sobretudo na sua capacidade de autodeterminação económica e não tanto no respetivo estatuto jurídico ou no seu modo de funcionamento; V- Se duas empresas com fortes laços de interdependência apresentam duas propostas num mesmo concurso público, é de presumir que possa haver um conhecimento mútuo das propostas apresentadas; VI – Se para além dessa presunção, adveniente da estrutura societária e pessoal das referidas empresas, se verifica, também, que ambas as empresas atuam na mesma área de negócios, oferecem no mercado o mesmo tipo de produtos, exercem a sua atividade em locais muito próximos, apresentam propostas com layout idênticos, cometem um erro idêntico no âmbito dessas propostas e relativo ao critério de desempate, apresentam respostas em sede de audiência prévia também com um raciocínio e textos similares, aparentam apresentar plataformas eletrónicas que partilharem hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet, mas indicam nas suas propostas preços muito díspares, um deles anormalmente baixo e outro acima desse patamar, é lícito à entidade adjudicante concluir pela forte e real possibilidade de tais empresas terem um conhecimento prévio e mútuo das propostas apresentadas e terem concertado os preços propostos, a fim de ampliarem as suas chances de vencerem o concurso por via daquela diferença de preço; VII – Milita também nesse sentido a circunstância de tais empresas terem tido um mesmo comportamento e padrão de preços em quatro outros concursos; VIII - Aquele juízo sai reforçado se não se prova nos autos que à data da apresentação das propostas as empresas apresentavam plataformas eletrónicas totalmente autónomas, mas comprova-se que em 2020, após 7/10 essa apresentação, tais plataformas partilhavam hardware físico e sistemas de comunicação de e para a internet; IX - Num procedimento concursal em que o critério de adjudicação é o melhor preço, a apresentação por empresas com fortes laços de interdependência de dois preços com valores díspares, sendo um deles um preço anormalmente baixo, aumenta as hipóteses de uma delas vencer o concurso; X- Num procedimento de acesso limitado, já de si restritivo da concorrência, exige-se um especial cuidado para que os candidatos convidados se apresentem efetivamente em condições de igualdade. Exige-se, identicamente, que não se defraude a (quase inexistente) concorrência por via da participação duplicada de empresas que não atuam no mercado com autonomia e independência; XI - A apreciação do comportamento que tem por objetivo e efeito o falsear da concorrência deve basear-se numa análise casuística do conjunto de circunstâncias que envolvem a situação, para assim se verificar se tal comportamento afetou ou é suscetível de afetar a concorrência. Só perante as circunstâncias concretas da atuação dessas empresas no procedimento e perante a análise das propostas que apresentem, o júri poderá avaliar se foi falseada a concorrência, não podendo tal juízo fundar-se numa mera presunção, decorrente de uma dada posição societária; XII - Os indícios da forte probabilidade da prática de condutas que afetam ou são suscetíveis de falsear a concorrência podem retirar-se v.g. da estrutura societária, das relações familiares, dos preços propostos, dos anteriores padrões de participação em concursos ou de adjudicações, do comportamento dos concorrentes nos anteriores concursos, dos teores das propostas apresentadas, ou outras respostas dadas no âmbito do concurso; XIII - Cabe às entidades adjudicantes o exame e a análise de tal conjunto de circunstâncias; XIV- Reunidos pelo júri do concurso os indícios de práticas que visem objetivamente, ou que possam falsear a concorrência, deve ser dada a oportunidade aos concorrentes de rebaterem aqueles indícios, fazendo prova procedimental que não ocorreu, nem poderia ter ocorrido, o indicado falseamento; XV - Não podem as empresas ser excluídas do procedimento de uma forma abstrata, automática ou imediata, com base em meras presunções; XVI - O preenchimento do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos; XVII - À entidade adjudicante cumpre também apenas comprovar a existência de fortes indícios, não da prática efetiva da conduta anti-concorrencial; XVIII - É no procedimento administrativo que cumpre fazer tal prova, gozando a entidade administrativa de alguma discricionariedade na integração do conceito indeterminado que integra a expressão “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”´; XIX- A integração de tal conceito compete, pois, em 1.ª linha, ao júri do concurso, incumbindo ao órgão jurisdicional apreciar aquele juízo, por forma a verificar se o mesmo padece de um erro grosseiro, de facto ou manifesto; XX - Por seu turno, aos concorrentes visados cumpre ilidir procedimentalmente a presunção do júri, provando no indicado procedimento administrativo que apresentaram propostas autónomas e independentes. Cumpre aos concorrentes provar, que não obstante a sua estrutura societária, não poderiam ter conhecimento mútuo das propostas e não o fizerem concertando preços; XXI - Se não ficar ilidida a presunção inicial do júri, este pode decidir pela exclusão dos concorrentes visados, nos termos do art.º 70.º, n.º 2, al. g) e 146.º, n.º 2, do CCP; XXII - Uma vez tomada tal decisão, as empresas visadas podem, depois, questioná-la judicialmente, mas nesta sede a apreciação jurisdicional não pode versar sobre os aspetos discricionários da decisão administrativa.”
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 19/02/2021 - Processo n.º 00731/20.9BELSB
Contratação pública – Concurso – Mais baixo preço – Capacidade técnica – Exclusão – Esclarecimentos.
Este Acórdão refere que “1. A exclusão de uma proposta reduz a concorrência. Logo as hipóteses de exclusão das propostas devem ser reduzidas ao mínimo necessário, de forma a garantir o mais amplo possível leque de propostas. 2. Este mínimo necessário traduz-se precisamente em apenas permitir a exclusão nos casos expressos previstos na lei (tipificação dos casos de exclusão) e interpretar estas normas de forma restritiva e não extensiva e, menos ainda, analógica. 3. No caso de concurso em que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço, apenas o preço constitui atributo da proposta pois é o único “aspeto da execução do contrato submetido à concorrência pelo caderno de encargos” (artigo 56º, n.º2, do Código dos Contratos Públicos). 4. Não havendo omissão da comprovação da capacidade técnica de uma empresa concorrente, após a prestação de esclarecimentos pedidos, não se justifica a exclusão da sua proposta, ao abrigo do disposto na alínea a) do artigo n.º2 do artigo 70º do Código dos Contratos Públicos. 5. Ainda que as faltas detetadas – não relativas ao preço - fossem relevantes para o controle da execução do contrato, não seriam omissões insupríveis e relevantes para efeitos de exclusão da proposta. 6. Isto porque podiam – e deviam – ser pedidos esclarecimentos sem que daí resultasse necessariamente qualquer alteração ou reformulação da proposta no seu todo. E sendo certo que, inequivocamente no caso concreto, apenas o preço era atributo das propostas, submetido à concorrência, e não a forma de execução.”