Medidas Excecionais no Âmbito da Concessão de Proteção Temporária a Pessoas Deslocadas da Ucrânia

Em função da situação de guerra que se verifica na Ucrânia, que coloca em risco milhões de cidadãos que vivem naquele país, conduzindo a uma crise humanitária em larga escala, que está já a originar o abandono de um número considerável de civis, procurando refúgio em países dispostos a prestar-lhes acolhimento, a comunidade portuguesa tem estado a manifestar a sua solidariedade para com aqueles cidadãos pelas mais diversas vias, através da recolha de bens, para posterior envio para a Ucrânia e através do acolhimento, em Portugal, dos refugiados que fogem da guerra e do seu país.
Em comunhão com todo este esforço da comunidade em geral, o Estado está, também, a aprovar medidas excecionais para proteção temporária das pessoas que vêm deslocadas da Ucrânia, com vista à concessão de proteção temporária com dispensa de prova de risco individualizado e concreto.
Para esse efeito foi publicada, no passado dia 1 de março, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 29 -A/2022, de 1 de março, que estabelece os critérios específicos da concessão de proteção temporária a pessoas deslocadas da Ucrânia, em consequência dos recentes conflitos armados vividos naquele país.
O Conselho de Ministros, nos termos do n.º 3 do art.º 4.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto (diploma transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva n.º 2001/55/CE, do Conselho, de 20 de Julho, e regula o regime de concessão de proteção temporária no caso de afluxo maciço de pessoas deslocadas de países terceiros, impossibilitadas de regressar em curto prazo ao seu país de origem, estabelecendo os procedimentos de aplicação deste regime), e da alínea g) do art.º 199.º da Constituição da República Portuguesa (que lhe permite praticar todos os atos e tomar todas as providências necessárias à promoção do desenvolvimento económico-social e à satisfação das necessidades coletivas, aprovou:
1 - Conceder proteção temporária, com a atribuição automática de autorização de residência, pelo período de um ano, com possibilidade de prorrogação do respetivo título de residência, nos termos do art.º 7.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, com as necessárias adaptações, aos cidadãos nacionais da Ucrânia e seus familiares, provenientes do seu país de origem, não podendo ali voltar, em consequência da situação de guerra que aí ocorre.
2 - Determinar que beneficiam igualmente desta proteção temporária os cidadãos estrangeiros de outras nacionalidades que comprovem ser parentes, afins, cônjuges ou unidos de facto de cidadãos de nacionalidade ucraniana que se encontrem nas circunstâncias previstas no número anterior.
3 - Estabelecer que, para efeitos do disposto nos números anteriores, é admitido qualquer meio de prova.
4 - Determinar que constituem fundamento para exclusão da proteção temporária os motivos elencados no art.º 6.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto.
5 - Determinar que, para efeitos do cumprimento do disposto no número anterior, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) consulta o Sistema de Informação Schengen e outras bases de dados relevantes, não sendo exigível um certificado de registo criminal.
6 - Estabelecer que os pedidos abrangidos pela presente resolução podem ser feitos presencialmente ou por via digital, dentro ou fora do território nacional.
7 - Determinar que a declaração comprovativa do pedido de proteção temporária é comunicada pelo SEF à segurança social, à Autoridade Tributária e Aduaneira e aos Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, E. P. E., para efeitos de atribuição automática do número de identificação de segurança social, do número de identificação fiscal e número nacional de utente, respetivamente.
8 - Determinar que a declaração prevista no número anterior é comunicada ao Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I. P., para efeitos de inscrição.
9 - Estabelecer que as comunicações referidas nos n.ºs 7 e 8 são efetuadas, preferencialmente, por transmissão eletrónica de dados, em respeito do regime geral de proteção de dados.
10 - Determinar que aos beneficiários de proteção temporária previstos na presente resolução é permitida a obtenção da Chave Móvel Digital, designadamente mediante a associação do número do respetivo título a um único número de telemóvel, podendo também associar o seu endereço de correio eletrónico.
11 - Determinar que os benefícios previstos nos n.ºs 1 e 2 do art.º 15.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, são atribuídos quando o beneficiário da proteção temporária não disponha de recursos suficientes.
12 - Determinar que, sem prejuízo do disposto no número anterior, os beneficiários de proteção temporária sejam equiparados a beneficiários com estatuto de refugiado para efeitos de acesso a prestações sociais do regime não contributivo.
13 - Determinar que os valores relativos aos apoios sociais da responsabilidade da segurança social, atribuídos nos termos do n.º 2 do art.º 15.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, são financiados pelo Orçamento do Estado.
14 - Estabelecer que se aplicam aos beneficiários de proteção temporária previstos na presente resolução as disposições da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, com as necessárias adaptações, sem prejuízo do estabelecido nos números anteriores.
15 - Determinar a constituição da comissão interministerial prevista no art.º 5.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, presidida conjuntamente pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da integração e migrações e da administração interna e composta por representantes das áreas governativas da economia e da transição digital, dos negócios estrangeiros, da justiça e do trabalho, solidariedade e segurança social, podendo ainda participar nas reuniões da comissão interministerial, em função da matéria, representantes de outras áreas governativas, mediante convocatória dos membros do Governo que presidem.
16 - Estabelecer que a presente resolução se aplica aos pedidos já formulados, desde o início da situação de guerra na Ucrânia.
(…)
Naquele mesmo dia 1 de março foi, também, publicada a Portaria n.º 105-A/2022 que procede à segunda alteração à Portaria n.º 1432/2008, de 10 de dezembro, que aprovou o modelo de título de residência a ser emitido a cidadãos estrangeiros autorizados a residir em território nacional, no sentido de que os beneficiários de proteção temporária nos termos da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, possam obter o título de residência emitido aos estrangeiros elencados nas alíneas do n.º 2 daquela Portaria. Pretende-se, com esta alteração, a garantia de uniformização dos títulos de residência e a necessária celeridade que o regime de proteção temporária impõe.
Posteriormente, o Conselho da União Europeia aprovou a Decisão de Execução (UE) 2022/382, de 4 de março de 2022, através da qual declarou, nos termos do n.º 1 art.º 5.º da Diretiva 2001/55/CE, do Conselho, de 20 de julho de 2001, a existência de um afluxo maciço, para a União Europeia, de pessoas que tiveram de abandonar a Ucrânia em consequência do conflito armado.
Nos termos do n.º 1 do art.º 4.º da lei n.º 67/2003, “uma vez declarada a existência de um afluxo maciço de pessoas, por decisão do Conselho da União Europeia, em processo específico organizado de acordo com a regulamentação comunitária, o Estado Português tomará, através dos Ministérios competentes, as medidas previstas na presente lei para a aplicação daquela decisão.”.
Nessa sequência foi publicada, no passado dia 11 de março, a Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-D/2022, que amplia o âmbito da concessão de proteção temporária a pessoas deslocadas da Ucrânia, em consequência dos recentes conflitos armados vividos naquele país. Através desta Resolução foi alterada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2022, de 1 de março, no sentido de:
«1 - Conceder proteção temporária, com a atribuição automática de autorização de residência, pelo período de um ano, com possibilidade de prorrogação do respetivo título de residência, nos termos do artigo 7.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, aos cidadãos nacionais da Ucrânia e aos cidadãos estrangeiros de outras nacionalidades ou apátridas beneficiários de proteção internacional na Ucrânia, provenientes desse país, não podendo ali voltar, em consequência da situação de guerra que aí ocorre.
2 - Determinar que beneficiam igualmente desta proteção temporária os cidadãos estrangeiros de outras nacionalidades ou apátridas que se encontrem nas circunstâncias do número anterior e que comprovem ser familiares, designadamente parentes, afins, cônjuges ou unidos de facto dos cidadãos referidos no número anterior, ou que comprovem ser residentes permanentes na Ucrânia, ou tenham uma autorização de residência temporária, ou beneficiem de um visto de longa duração destinado à obtenção deste tipo de autorização e cujo regresso seguro e duradouro ao seu país de origem não seja possível.”
Foi, ainda, “determinada a constituição da comissão interministerial prevista no artigo 5.º da Lei n.º 67/2003, de 23 de agosto, presidida conjuntamente pelos membros do Governo responsáveis pelas áreas da integração e migrações e da administração interna e composta por representantes das áreas governativas da economia e da transição digital, dos negócios estrangeiros, da justiça e do trabalho, solidariedade e segurança social, podendo ainda participar nas reuniões da comissão interministerial, em função da matéria, representantes de outras áreas governativas, mediante convocatória dos membros do Governo que presidem”.
Por fim, naquele mesmo dia 11 de março, foi publicado o Decreto-Lei n.º 24-B/2022, de 11 de março, diploma que estabelece medidas excecionais no âmbito da concessão de proteção temporária a pessoas deslocadas da Ucrânia.
Este diploma apresenta um conjunto de medidas identificadas no seu preâmbulo, e depois concretizadas nas diversas normas legais, desde logo prevê-se:
- um conjunto de isenções emolumentares aplicáveis a determinados atos e procedimentos de natureza registal que sejam requeridos junto dos serviços de registo, considerando, nomeadamente, os múltiplos movimentos de auxílio que se têm organizado por todo o país, muitos deles traduzidos na constituição de associações de cariz humanitário e de apoio aos deslocados de guerra, a necessidade de serem efetuados reconhecimentos de assinatura, designadamente em documentos que contenham autorização para a saída de menores da Ucrânia, assim como a emissão de certificados de tradução;
- em matéria de ensino superior, consagra-se a possibilidade de os beneficiários da proteção temporária requererem a aplicação do estatuto de estudante em situação de emergência por razões humanitárias.
- simplifica-se o procedimento de troca de títulos de condução estrangeiros por carta de condução portuguesa e de certificação profissional de motoristas, em relação aos beneficiários da proteção temporária.
- que os beneficiários da proteção temporária beneficiam, igualmente, do Porta de Entrada - Programa de Apoio ao Alojamento Urgente, estabelecido pelo Decreto-Lei n.º 29/2018, de 4 de maio, na sua redação atual, com as necessárias adaptações.
- Por fim, simplifica-se o procedimento de reconhecimento de qualificações profissionais dos beneficiários da proteção temporária que pretendam exercer, em território nacional, uma profissão ou atividade profissional, e os processos de reconhecimento, validação e certificação de competências.
No que diz respeito aos municípios, a sua atuação, no âmbito deste diploma, circunscreve-se ao Apoio ao Alojamento Urgente, previsto no art.º 5.º deste diploma. Dispõe este artigo que:
“Aos agregados a quem tenha sido concedida proteção temporária nos termos da Resolução do Conselho de Ministros n.º 29-A/2022, de 1 de março, na sua redação atual, aplica-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 29/2018, de 4 de maio, na sua redação atual, que estabelece o Porta de Entrada - Programa de Apoio ao Alojamento Urgente, bem como a Portaria n.º 167/2018, de 12 de junho, na sua redação atual, com as necessárias adaptações, nomeadamente:
a) Os protocolos de cooperação institucional podem ser celebrados sem a identificação imediata dos agregados abrangidos, bem como das estimativas dos montantes globais de investimento e de financiamento, devendo apenas ser designado pelo município o número máximo de agregados a apoiar, sendo estimado um financiamento por agregado com referência à solução de arrendamento e à área máxima da habitação de custos controlados para fogos de tipologia T2 estipulada no n.º 4.º da Portaria n.º 65/2019, de 19 de fevereiro, na sua redação atual;
b) É dispensada a verificação do requisito previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 29/2018, de 4 de maio, na sua redação atual;
c) À concessão dos apoios é aplicável o disposto nos n.ºs 4 e 5 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 29/2018, de 4 de maio, na sua redação atual, independentemente de a viabilidade da solução habitacional ou de alojamento depender da imediata disponibilização de parte do apoio financeiro e não ser possível a formalização do contrato em simultâneo;
d) Para efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 20.º do Decreto-Lei n.º 29/2018, de 4 de maio, na sua redação atual, a transferência a realizar pelo Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, I. P. (IHRU, I. P.), pode ser efetuada para conta bancária do beneficiário ou da pessoa, singular ou coletiva, com quem este contratualiza o alojamento;
e) Quando a natureza ou características da situação dos beneficiários assim o justifique, o município, a pedido destes, pode propor ao IHRU, I. P., a alteração da solução habitacional ou de alojamento ou a mudança do concelho de localização dessa solução, sendo, nesse caso, as condições de concessão do apoio adequadas em conformidade, sem necessidade de alteração ao protocolo, salvo se daí resultar o aumento do montante de financiamento neste previsto.”