DOS MODELOS DE INFORMAÇÃO DA CIDADE AOS GÉMEOS DIGITAIS

O conceito de Modelo de Informação da Cidade ou City Information Model (CIM) surgiu discretamente há mais de uma década, da convergência da implementação de sistemas inteligentes e dados e como uma evolução natural da Modelação da Informação da Construção ou Building Information Model (BIM), para dar resposta a desafios de maior dimensão à escala das cidades. Ao longo dos anos, o CIM ganhou aceitação na indústria de software e no planeamento urbano, servindo como um conceito agregador para o design e planeamento urbano digital.
Por forma a dar resposta à complexidade dos ambientes urbanos, este modelo reinventa-se e estende-se ao planeamento e gestão das cidades. A modelação da informação urbana disponibiliza, assim, uma abordagem holística e integrada para a recolha, análise e visualização de dados relativos a diversos sistemas urbanos, desde as infraestruturas às dinâmicas sociais que visam apoiar no planeamento e gestão urbana. Esta abordagem recorre a modelos digitais tridimensionais para representar e simular os vários aspetos da cidade. À semelhança do BIM, utilizada para conceber e construir edifícios, a CIM centra-se nas infraestruturas urbanas e no seu ambiente, combinando informação geoespacial, dados demográficos, económicos, ambientais, de mobilidade, entre outros, numa plataforma centralizada que permite aos decisores compreender, visualizar o funcionamento e as interações dos diferentes componentes de uma cidade. Esta solução facilita a tomada de decisões baseadas em dados, a colaboração entre múltiplos intervenientes e a implementação de soluções inovadoras.
No sentido de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, otimizar os serviços e reduzir o impacto ambiental, utilizando estrategicamente a tecnologia e os dados como um meio, a CIM desempenha um papel crítico ao fornecer uma representação digital precisa e detalhada da cidade e a integração e análise de dados multidisciplinares, entre outras características de um ambiente urbano. Isto através da gestão e extração de dados geométricos e não geométricos, qualitativos e quantitativos, a partir de um modelo 3D detalhado que se transforma num gémeo digital.
À medida que a tecnologia continua a evoluir, a CIM continua a desempenhar um papel fundamental no planeamento e gestão das cidades. A utilização de réplicas, ainda que rudimentares, do espaço físico na CIM, veio proporcionar uma série de vantagens significativas, incluindo uma melhor visualização e compreensão da cidade, análises e simulações mais abrangentes, uma colaboração mais eficiente, otimização de recursos e uma gestão do território mais eficiente, permitindo explorar soluções de inteligência artificial e de análise de dados em modelos digitais, e subsequentemente o apoio na tomada de decisões mais precisa e em tempo real.
Conforme as tecnologias são implementadas com vista a enfrentar a rápida massificação urbana e os desafios urbanos complexos, há uma pressão crescente sobre as autoridades municipais para afetarem recursos de forma eficiente e gerirem as cidades de forma eficaz. Com o crescente reconhecimento do valor dos dados para monitorizar o desempenho dos serviços, melhorar o planeamento urbano e simplificar os processos de tomada de decisões, surge assim um modelo evolutivo do CIM, as réplicas virtuais de ativos físicos ou de cidades inteiras que elevam o conceito de cidades inteligentes, os gémeos digitais.
À semelhança dos BIM que foram desenvolvidos inicialmente para melhorar processos de fabricação e produção, os gémeos digitais foram definidos num white paper no início do ano 2000 como uma representação virtual do que foi produzido, composta por três componentes: i) ativo físico, ii) ativo virtual e iii) dados bidirecionais que ligam o ativo físico e o virtual. Ao longo do tempo o conceito gémeo digital tem vindo a ser utilizado para descrever uma réplica digital de um ativo físico e, adicionalmente, o processo de transmissão contínua de dados entre o ativo físico e o gémeo digital.
Em teoria, os gémeos digitais podem atualizar dados em tempo real, permitindo que os modelos virtuais sejam continuamente melhorados através da analogia com o ativo físico, reduzindo assim o ciclo de desenvolvimento de produtos, melhorando a eficiência da construção e garantindo a precisão, a estabilidade e a qualidade. Além disso, o uso de gémeos digitais promove sinergias eficientes entre as diferentes etapas do ciclo de vida de um produto.
Na área da gestão do território o conceito de gémeo digital tem vindo a ser utilizado no apoio à gestão urbana. À semelhança do conceito de gémeo digital para a indústria, nasce um conceito novo, o gémeo digital urbano (GDU), uma réplica virtual dos sistemas físicos da cidade, que usa modelos de inteligência artificial e compreende três componentes basilares: o objeto físico, o objeto virtual e as ligações mútuas entre eles. Esta representação virtual dinâmica de objetos ou sistemas físicos apresenta-se como um conjunto de modelos gerados por computador que mapeiam um objeto físico num espaço virtual e utilizam dados para trocar informações entre os elementos físicos e os virtuais, com vista a monitorizar, simular, prever, diagnosticar e controlar o estado e o comportamento do objeto físico no espaço virtual.
Embora o GDU utilize modelos de análise, simulação e aprendizagem por forma a permitir a compreensão, a aprendizagem e a resposta a perguntas hipotéticas, o gémeo digital urbano não se trata apenas de um modelo digital, daí que a principal diferença entre este e uma simulação seja, em grande parte, uma questão de escala. Enquanto uma simulação estuda normalmente um processo específico, um gémeo digital urbano pode executar qualquer número de simulações para estudar vários processos.
A aplicação da tecnologia GDU tem vindo a ganhar uma força significativa em vários domínios, incluindo as cidades inteligentes. Recorrendo a dados em tempo real, à modelação 3D, às infraestruturas virtuais geoespaciais e aos modelos de dados, estas representações virtuais completas de ambientes urbanos, além de permitir a monitorização e a gestão eficientes dos sistemas físicos, permitem desenhar cenários, avaliar riscos, oferecer perspetivas de previsão, melhorar a resiliência do sistema, a capacidade de resposta durante as emergências e otimizar processos de tomada de decisões em tempo real. No contexto do planeamento urbano esta tecnologia desempenha um papel crucial na otimização do uso do solo, no aumento da segurança, no desenvolvimento de infraestruturas e na mitigação de perturbações ambientais. Além disso, oferece potenciais benefícios na gestão do tráfego, facilitando a cooperação entre sistemas, melhorando assim a segurança rodoviária e os mecanismos de resposta a crises.
Sendo uma das tecnologias mais complexas no auxílio ao desenvolvimento de cidades inteligentes, torna-se evidente que esta framework está na vanguarda da inovação no desenvolvimento de cidades inteligentes, uma vez que, conforme já referido, permite criar réplicas dinâmicas e em tempo real de entidades e sistemas físicos e transferem conhecimento inestimável para o planeamento, gestão e otimização urbana. Ainda assim, os gémeos digitais urbanos enfrentam limitações e desafios que incluem a falta de interoperabilidade e de padrões semânticos, que dificultam a integração de dados entre sistemas; limitações de infraestrutura, como a capacidade insuficiente de armazenamento e processamento; questões como a qualidade e harmonização dos dados, que comprometem a precisão das modelações e das simulações; recursos humanos e financeiros para o desenvolvimento e manutenção destes sistemas e questões de segurança e ética, que necessitam de ser meticulosamente geridos.
O futuro dos GDUs promete uma transformação profunda na gestão e no planeamento das cidades, proporcionando representações digitais dinâmicas e interativas que pode melhorar a vida nas cidades. A integração de tecnologias avançadas, como a inteligência artificial ou machine learning proporcionarão a capacidade de identificar padrões, de realizar análises e previsões mais precisas de uma forma autónoma, ou seja, sem necessidade de serem programados. Porém, para que esse potencial seja totalmente realizado, os desafios identificados devem ser enfrentados com soluções inovadoras e em colaboração com todas as partes interessadas.
Ricardo Machado
Diretor do Departamento de Inovação, Transformação Digital e Economia