Estratégia Municipal para a Habitação – o caminho já percorrido

O setor da habitação tem uma importância crucial no desenvolvimento económico da sociedade e na qualidade de vida das populações. Quando esta necessidade básica não é satisfeita, geram-se desequilíbrios sociais e, consequentemente, a condição de vida das populações fica condicionada de forma determinante.
À semelhança de todo o país, o Concelho de Guimarães vive um momento de grande escassez de oferta de habitação, acima de tudo de casas para os grupos populacionais com carência económica e de rendimentos intermédios, que não conseguem suportar os preços inflacionados do mercado de arrendamento privado.
Na última década, as dificuldades no acesso à habitação têm vindo a aumentar e as condições habitacionais pioraram. O Concelho de Guimarães, tal como o resto do país, enfrenta grandes desafios habitacionais, sendo urgente dar resposta ao problema de acesso à habitação dos que apresentam mais carência e vulnerabilidade socioeconómica, dos mais jovens e das famílias com rendimentos medianos.
Os municípios têm um papel imprescindível na resolução das carências habitacionais e na mobilização dos recursos existentes no território. Nesta medida, o Município de Guimarães aprovou a sua Estratégia Local de Habitação (ELH), cuja segunda revisão se encontra em curso. Olhando para os programas nacionais de apoio à habitação, consubstanciados num conjunto normativo que compõe a nova geração de políticas de habitação (NGPH), o Município de Guimarães procura desenhar uma política de oferta de habitação orientada para o acesso universal do direito à habitação adequada, que se define em torno das necessidades (quantitativas e qualitativas) de habitação e, também, dos recursos já existentes (habitações vagas) no Concelho, promovendo a reabilitação do edificado e apostando na diversidade dos regimes de arrendamento (apoiado, acessível). Desta forma, procurar-se-á aumentar as oportunidades de acesso das famílias à habitação, conjugando a construção de novos alojamentos e promovendo a reabilitação do edificado já existente.
Para alcançar esta visão integrada dos problemas da habitação no Concelho de Guimarães, realizou-se um diagnóstico de identificação de necessidades habitacionais, através do qual foi possível sinalizar uma diversidade de problemas, desde a insatisfação face às condições do espaço habitado, à ausência de alojamento e aos problemas que advêm da relação entre a oferta e a procura de habitação. Neste sentido, revelou-se essencial redefinir as necessidades habitacionais sinalizadas aquando da realização do diagnóstico que originou a primeira versão da ELH, no ano de 2019.
Quatro anos após a elaboração do primeiro diagnóstico, importa fazer referência a cinco fatores entretanto ocorridos e que, pela natureza legislativa e socialmente estruturante, contribuíram de forma decisiva para a necessidade urgente de pensar um novo plano estratégico municipal para a habitação que vá para além da intenção de suprimir as carências habitacionais das famílias economicamente mais vulneráveis e em exclusão social: as alterações e republicações da legislação de regula o programa 1.º Direito (Decreto-Lei n.º 37/2018, de 4 de junho); a integração do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) no programa 1.º Direito; o agravamento da conjuntura económica provocado pela situação pandémica e pela guerra na Europa; o aumento exponencial dos preços no mercado de arrendamento e o agravamento das condições de acesso à habitação.
A atualização do diagnóstico identificou 868 novas situações de indignidade habitacional, das quais 89 dizem respeito a habitações de propriedade municipal, quase todas localizadas em bairros municipais de construção antiga e cuja reabilitação constituí um desígnio do Município.
A larga maioria das famílias identificadas com problemas habitacionais situam-se na área urbana do Concelho (73%), com principal destaque para as freguesias de Azurém, Creixomil e Oliveira, S. Paio e S. Sebastião, que integram 34% das famílias identificadas. Dado igualmente importante diz respeito à dimensão dos agregados familiares, variável em que predominam os de menor dimensão, com destaque para as famílias unipessoais (constituídas por um só elemento), que representam cerca de 38% da população identificada. Em segundo lugar de representatividade surgem os agregados familiares constituídos por dois elementos, com uma representação de 30%. Estes dados são importantes porque nos permitem aferir as necessidades em termos de tipologias de habitação, prevalecendo as de T1 e T2. O diagnóstico permitiu ainda apurar que 76% dos agregados familiares identificados ocupam o espaço habitado na condição de arrendatários e que um número significativo apresenta como condição de ocupação os regimes de coabitação e cedência, ou seja, residem de forma precária, temporária e graciosa em casa de familiares ou amigos. Estes dados permitem-nos, assim, aferir a gravidade das condições habitacionais em que as famílias se encontram, razão pela qual não é surpreendente que do universo de 868 famílias identificadas, 746 residam na condição indigna de Precariedade e insalubridade e insegurança.
Com base no diagnóstico atualizado dos problemas habitacionais do Concelho com enquadramento nos instrumentos que compõem a NGPH, encontra-se o Município a elaborar a sua estratégia de intervenção, que, face à diversidade de situações de indignidade habitacional apuradas, procura desenhar soluções habitacionais diversas e adequadas às particularidades dos diferentes grupos populacionais em carência habitacional. Com destaque nas intervenções comportadas pelo Programa 1.º Direito, a estratégia de intervenção do Município define cinco eixos de intervenção prioritária que a seguir se afloram de modo sucinto.
Os eixos 1 e 2 dizem respeito ao parque habitacional de propriedade municipal e pretendem atingir dois grandes objetivos: 1 - aumentar o número de fogos municipais a disponibilizar em regime de arrendamento apoiado; 2 - valorizar o património habitacional já existente.
Quanto ao primeiro (eixo 1), é reconhecido que o parque de habitação municipal é manifestamente insuficiente para dar resposta às necessidades existentes, em concreto às famílias cujos rendimentos e vulnerabilidades as coloca na necessidade de proteção pública municipal em matéria de habitação. Assim, às necessidades que requerem uma intervenção direta do Município, projeta-se recorrer à aquisição e/ou construção de fogos para posterior atribuição em regime de arrendamento apoiado, implementar a modalidade de arrendamento para subarrendamento e manter o Subsídio Municipal ao Arrendamento (SMA), reforçando mesmo a sua dotação orçamental.
Ao nível da valorização do parque habitacional já existente (eixo2), pretende-se manter a estratégia de reabilitar as habitações/prédios, adotando procedimentos de sustentabilidade ambiental, melhoria do desempenho energético e do conforto térmico. Simultaneamente, pretende-se dotar os fogos municipais de melhores acessibilidades físicas para os inquilinos com mobilidade reduzida.
O eixo 3 respeita ao parque de habitação privado e atuará em três frentes: 1 - promover a reabilitação junto dos proprietários privados com uma forte divulgação dos apoios ao financiamento existentes e a disponibilização de apoio e acompanhamento técnico na instrução das respetivas candidaturas; 2 - divulgar os apoios à aquisição/construção junto das famílias elegíveis ao financiamento do 1º Direito; 3 – Conceder apoio direto aos proprietários de frações que apresentem carência económica e que não preencham os requisitos ao aludido programa, por via do Regulamento de apoio a pessoas em situação de vulnerabilidade (já existente) e com a criação de um instrumento regulador de atribuição de apoio financeiro para o enriquecimento energético das suas habitações.
O eixo 4 agrega um conjunto de medidas direcionadas aos grupos populacionais que apresentam dificuldades no acesso à habitação, mas não reúnem condições para atribuição de uma habitação municipal em regime de arrendamento apoiado, usualmente denominada “habitação social”. Para estes grupos populacionais prevê-se: adquirir/construir habitações ou prédios para arrendamento acessível, ou seja, com rendas compatíveis com os rendimentos dos agregados familiares; reconverter edifícios de propriedade do Estado Português para posterior disponibilização em regime de renda acessível; arrendar habitações para subarrendar a rendas acessíveis; incentivar os proprietários de habitações devolutas a disponibilizar o seu património na bolsa de arrendamento acessível, atribuindo benefícios fiscais; estabelecer contratos de comodato com proprietários de habitações devolutas com necessidade de reabilitação, ficando o Município com a sua gestão, em modalidade de renda acessível, até ao retorno do investimento municipal realizado com a reabilitação do imóvel.
Por último, o eixo 5 diz respeito à operacionalização, monitorização e avaliação das medidas desenhadas em toda a estratégia do Município. O modelo de governação e implementação da ELH requer a constituição de uma estrutura técnica de proximidade com os cidadãos, que capte e mobilize parceiros, que envolva a comunidade em geral e que apoie e acompanhe a população mais vulnerável. Esta estrutura técnica terá como grande missão encontrar soluções habitacionais ajustadas às necessidades específicas de cada família, bem como incentivar os detentores de propriedade privada a reabilitar o edificado, divulgando os apoios financeiros disponíveis e os benefícios fiscais atribuídos pelo Município. Neste âmbito, será igualmente importante criar instrumentos que permitam monitorizar e avaliar os objetivos definidos e as metas a alcançar.
Nesta intenção de identificar aspetos a adaptar e a corrigir no processo de implementação da estratégia de intervenção municipal em matéria de habitação, e tal como previsto na Lei de Base da Habitação, deverá ser criado o Conselho Local de Habitação - órgão de funções consultivas, que se pretende que seja um espaço de reflexão sobre as questões da habitação e que produza recomendações ao Município - e elaborada a Carta Municipal de Habitação, instrumento de planeamento e ordenamento do território na área da habitação.
O caminho já percorrido, que terá resultados práticos com a implementação dos eixos de intervenção prioritária, conjugada com outras práticas setoriais como, por exemplo, a requalificação dos espaços públicos, permite-nos acreditar no alcance de um Concelho com disponibilidade de oferta habitacional direcionada para as especificidades dos diferentes grupos populacionais, com habitação apoiada, reabilitação urbana e dinâmicas de arrendamento.
Cristina Dias
Diretora de Serviços da CASFIG, Unipessoal, Lda., EM