JURISPRUDÊNCIA

Destacam-se, este mês, em matéria de contratação pública, os seguintes acórdãos:
Contencioso pré-contratual. Suprimentos. Proposta. Interesse em agir.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/04/2024 - Processo n.º 0308/22.4BECTB
Sumaria este acórdão o seguinte:
"I - O art. 72º nº3 do CCP não é incompatível com o art. 146º n.º 2 al d) do CCP que prevê expressamente a exclusão das propostas que não sejam constituídas por todos os documentos exigidos no art. 57º n.º 4 e 5 do CCP. O art. 72º nº3, está previsto precisamente para o tipo de situações que implicariam a exclusão do concurso mas que o legislador entendeu que se justificava o convite ao suprimento.
II – A falta de poderes de representação para intervir no procedimento só pode ser suprida, nos termos do art. 72º, 3 do CCP, na redacção do Dec. Lei 111-B/2017, de 31 de Agosto, se esses poderes tiverem sido conferidos antes da data da apresentação da proposta.
III – A rectificação do erro de escrita é oficiosamente corrigido, desde que seja evidente para qualquer destinatário a existência do erro e os termos em que o mesmo deve ser corrigido - art 72º, 4 do CCP.
IV – Tem interesse em agir e, desse modo, pode impugnar o acto de adjudicação o candidato cuja exclusão no concurso não está firme (sem trânsito em julgado formal) e que discute na acção (i) a decisão que o excluiu e (ii) a decisão que admitiu a proposta vencedora do mesmo concurso".
Contratação Pública. Contencioso pré-contratual. Causas de exclusão. Concorrência. Indícios sérios. Princípio da separação dos poderes. Ato de adjudicação.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 04/04/2024 - Processo n.º 01053/23.9BEPRT
Atentemos no sumário deste acórdão:
"I - As entidades jurídicas especialmente relacionadas entre si, mesmo que constituam uma única empresa para efeitos do regime jurídico da concorrência, não estão impedidas de apresentar propostas no âmbito de procedimentos pré-contratuais.
II - Contudo, caso a atuação dessas entidades no procedimento ou a análise das propostas que tenham apresentado justifiquem suspeitas quanto à existência de interações relativas à respetiva participação, devem as entidades adjudicantes (ou os júris do procedimento), com base no artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP e prevenindo o risco de concertação ou coordenação das propostas e do consequente falseamento da concorrência no procedimento em causa por via da criação de vantagens relativamente aos demais concorrentes: (i) avaliar, na sequência de audição dos visado, se existem fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações referentes a uma influência concreta da relação especial entre esses concorrentes no conteúdo das propostas que apresentaram; e (ii) em caso afirmativo, excluir tais propostas.
III - Assim, os referidos indícios de que as propostas de concorrentes especialmente relacionados entre si não foram elaboradas com total autonomia e independência, mesmo que as interações em causa não possam corresponder a práticas proibidas pelo regime jurídico da concorrência nem respeitem a aspetos do contrato submetidos à concorrência, são condição suficiente para que tais propostas não devam ser consideradas pela entidade adjudicante, uma vez que a distorção da concorrência que o artigo 70.º, n.º 2, alínea g), do CCP, visa prevenir é justamente a de alguns concorrentes coordenarem ou concertarem as respetivas propostas de modo a aumentarem as possibilidades de adjudicação, em prejuízo dos demais e da própria entidade adjudicante.
IV - Para efeito das suspeitas iniciais e da avaliação dos referidos indícios, serão de considerar, entre outros, os sinais de alerta referidos na “Comunicação sobre ferramentas para lutar contra a colusão na contratação pública e sobre orientações relativas à forma de aplicar o respetivo motivo de exclusão” (2021/C 91/01).
V - A avaliação dos “fortes indícios de atos, acordos, práticas ou informações suscetíveis de falsear as regras de concorrência”, remete para uma prova objetiva, real, concordante e circunstanciada, mas que não tem de ser feita através de prova direta, firme e irrefutável, pois pode basear-se num conjunto de elementos factuais a partir dos quais se retirem factos presumidos, competindo ao júri do procedimento e à entidade adjudicante também apenas comprovar a existência daqueles “fortes indícios” e não a prática efetiva de uma conduta anticoncorrencial.
VI - A avaliação feita pelo júri do procedimento ou entidade adjudicante quanto aos “fortes indícios” pode ser infirmada pelo tribunal em caso de erro manifesto.
VII - Anulada judicialmente a adjudicação feita ao concorrente cuja proposta foi ordenada em primeiro lugar, e não podendo a mesma ser considerada em virtude da existência de fortes indícios de ter sido coordenada com outra falseando a concorrência no procedimento, a adjudicação, enquanto ato legalmente devido, tem de ser feita à proposta ordenada em segundo lugar, uma vez que a possibilidade de não adjudicação ficou precludida pela anterior decisão de adjudicar e, por conseguinte, só desse modo se pode reconstituir a situação que existiria no caso de não ter sido cometida a ilegalidade de não excluir as propostas não autónomas nem independentes".
Contencioso pré-contratual. Exclusão da proposta. Omissão de documento. Omissão de termo ou condição.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 11/04/2024 - Processo n.º 2453/23.0BELSB
Sumaria o seguinte:
"I - O que está em causa na causa de exclusão tipificada no art. 146.º, n.º 2 al. d) do CCP é a falta de cumprimento de uma exigência de tipo documental, ou seja, a omissão de um dos documentos obrigatoriamente constitutivos da proposta, não se subsumindo a esta causa de exclusão as eventuais deficiências ou insuficiências que respeitam ao conteúdo do documento, à luz das exigências constantes do Convite à apresentação das propostas;
II - Há lugar à exclusão das propostas nos termos da segunda parte do art. 70.º, n.º 2 al. al. a) do CCP quando, apesar de o concorrente apresentar o documento, se verifique que este não contém toda a informação referente aos atributos e termos ou condições exigidos pelo Caderno de Encargos;
III - Prevendo-se no Convite como documento constitutivo da proposta uma “Sugestão de cronograma com descrição detalhada das fases e respetivas atividades que se propõe a realizar e correspondente duração”, do que se trata é de exigir ao concorrente que apresente um planeamento temporal dos serviços que serão executados, com a descrição das fases e respetivas atividades a realizar e a relação de precedência entre elas, o seu início, duração e termo;
IV - Contendo o cronograma apresentado pela concorrente o planeamento temporal dos serviços, enunciando por referência ao mês o seu início e fim, e estabelecendo uma relação de precedência entre as fases e atividades que enuncia com concretização adequada, inexiste qualquer aspeto da execução do contrato não submetido à concorrência pelo caderno de encargos que se mostre omitido;
V - A impossibilidade de a sugestão de cronograma permitir um controle da execução por parte da entidade demandada não configura a causa de exclusão prevista no art. 70.º, n.º 2 al. a) do CCP;
VI - A eventual falta de detalhe do cronograma não consubstancia, per si, a causa de exclusão prevista na al. a) do art. 70.º, n.º 2 do CCP, só a ela se subsumindo se essa insuficiência evidenciasse uma lacuna quanto a algum concreto aspeto da execução do contrato".