Jurisprudência

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 22/10/2021, Proc.º n.º 0192620.0BEPRT
Ação de contencioso pré-contratual. Programa do procedimento. Poder discricionário. Critério de adjudicação. Proposta economicamente mais favorável. Fatores e subfactores. Fórmula de cálculo. Nulidade da sentença.
Os juízes da Secção Administrativa do Tribunal Central Administrativo Norte acordaram negar provimento ao recurso jurisdicional, mantendo a decisão recorrida, atendendo a que “1 - O poder discricionário das entidades que estão submetidas ao regime da contratação pública, traduzindo-se a final no poder de liberdade de escolha entre várias soluções administrativas possíveis para satisfazer o interesse público, não pode todavia vir a transmutar-se num poder arbitrário, sem critério, sendo por isso que, tendo o Réu fixado “as regras do jogo” e pelas quais divulgou ao mercado e a toda a concorrência o seu interesse em contratar, fixadas nas peças do procedimento, tem o mesmo de respeitar, inelutavelmente, esse seu propósito e os termos que subjazem à escolha do futuro adjudicatário.
2 - Atenta a necessária precedência de lei, o Réu está vinculado a avaliar as propostas dentro do quadro legal e técnico por si definido, de acordo com o seu propalado poder discricionário, e nesse patamar, quando o faz, terminou aí a sua discricionariedade nesse domínio, pois que toda a sua actuação passa a estar vinculada, ou seja, toda ela passa a ser decorrente da auto-vinculação que decorre da publicitação das normas procedimentais ao abrigo das quais quis regular a tramitação do procedimento concursal.
3 - Para apreciar da invalidade que vinha assacada ao acto impugnado, que foi determinativo da adjudicação e bem assim da celebração do contrato, não podia o Tribunal a quo deixar de convocar e concatenar na sua apreciação crítica o disposto no ponto 16 do Programa do Procedimento com o que foi o resultado da interpretação e aplicação das normas procedimentais por parte do Júri do concurso, decorrente da aplicação das fórmulas parciais e da fórmula final para determinar a proposta economicamente mais vantajosa.
4 - Sendo certo que o critério de adjudicação face à proposta economicamente mais vantajosa, foi fixado dentro da margem de discricionariedade que a lei confere ao Réu, de todo o modo, a sua concreta aplicação, na prática, e como julgou o Tribunal a quo, não é conciliável com os termos e pressupostos da fixação/quantificação desse critério, quando vem a saír valorizada a experiência da equipa em termos que não têm respaldo na fórmula matemática constante do Programa do Procedimento, já que o factor preço [fixado em 70% do preço a pagar] não assume a relevância que lhe adviria dessa fórmula, desde logo. (…)”.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 4/11/2021, Proc. n.º 0362/20.3BEMDL-S1
Contratação pública. Contencioso pré-contratual. Efeito suspensivo. Grave lesão do interesse público. Combate a incêndios florestais.
Dispõe este acórdão que: “I – O levantamento do efeito suspensivo automático previsto no n.º 1 do artigo 103.º do CPTA, a pedido da entidade demandada, depende da demonstração da gravidade do prejuízo que o diferimento da execução do ato é suscetível de causar aos interesses públicos por ela defendidos no processo.
II – A precaução inerente à prevenção antecipada de riscos de incêndios florestais constitui uma justificação bastante para que o efeito suspensivo do ato de adjudicação seja levantado.”.
Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 05/11/2021, Proc. n.º 00913/15.5BECBR
Empreitada. Contrato de facto. Contrato imperfeito. Trabalhos acrescidos.
Entendem os juízes do Tribunal Administrativo Norte que: “1 – Tendo sido realizados trabalhos acrescidos, executados e incorporados em obras efetuadas no âmbito de Empreitada contratada, previamente notificados ao dono de obra, sem que este tenha manifestado oposição à sua concretização, nunca tendo sido determinada a suspensão ou cessação dos referidos trabalhos, tendo até chegado a ser emitida autorização de pagamento, mal se compreende como poderiam tais trabalhos deixar de ser pagos.
2 - Tendo a realização dos referidos trabalhos acrescidos sido proposta em reunião realizada, nomeadamente, para o efeito, tendo chegado a ser objeto de despacho de pagamento e não tendo havido qualquer orientação ou determinação para a cessação da realização dos trabalhos em curso, ainda que sem contrato escrito, está-se em presença de um contrato de facto.
3 - Mesmo inexistindo contrato escrito, atenta a matéria dada como provada, sempre a ARS teria de suportar os custos da empreitada realizada, por se ter provado que a mesma foi realizada a seu favor.
A ausência de contrato escrito não autoriza a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.
4 - Tal como relativamente aos serviços prestados ao abrigo de um contrato entretanto declarado nulo, perante a inexistência de um contrato escrito, e tendo continuado a ser prestados os trabalhos, sem oposição do dono de obra, enquanto “Contrato de facto”, os mesmos terão de ser remunerados.
A inexistência de contrato escrito relativamente aos acrescidos trabalhos levados a cabo, não autoriza a ilação de que o negócio jurídico seja equivalente a um nada, tal como se pura e simplesmente não tivesse acontecido.
Com efeito, mesmo tendo-se verificado uma omissão na formalização da contratualização controvertida, sempre estaríamos perante uma «relação contratual de facto», ou «contrato imperfeito» noutra terminologia, cujos trabalhos sempre teriam de ser remunerados.
5 - Efetivamente, da factualidade provada é possível concluir que as partes mantiveram no âmbito da identificada empreitada, reuniões regulares e relações contratuais efetivas, sendo que não há rasto ou meros indícios, que a ARS se tenha oposto à realização dos trabalhos que foram sendo realizados.”.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/11/2021, Proc. N.º 0452/20.2BEALM
Contencioso pré-contratual. Contrato de prestação de serviços. Adjudicação. Caducidade. Habilitação do adjudicatário. Subcontratação.
Entende o Supremo Tribunal Administrativo que: “I – A caducidade de uma adjudicação não opera automaticamente, “ope legis”, tendo de resultar de uma decisão da entidade adjudicante no sentido da imputabilidade das suas causas ao adjudicatário, tomada após prévia audiência deste (art. 86º do CCP).
II – Num procedimento de concurso público, os documentos de habilitação do adjudicatário – ou de subcontratados, de cujas habilitações aquele se pretenda socorrer –, salvo em caso de diferente exigência constante das peças do procedimento ou de solicitação da Entidade Adjudicante, só têm de ser apresentados em momento seguinte à adjudicação, e não no momento da apresentação da proposta; o mesmo ocorrendo com as declarações de compromisso por parte de eventuais subcontratados (arts. 77º nº 2 a) e 81º do CCP e 2º da Portaria nº 372/2017, de 14/12).”.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25/11/2021, Proc. n.º 0210/18.4BELLE
Uniformização de jurisprudência. Documento. Assinatura eletrónica.
Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo que: “A submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos não assinados electronicamente não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento imposta pelo n.º 4 do artigo 57.º do CCP e pelo n.º 5 do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015”, esclarecendo que “O artigo 56.º do CCP define a proposta como “a declaração pela qual o concorrente manifesta à entidade adjudicante a sua vontade de contratar e o modo pelo qual se dispõe a fazê-lo”. E essa proposta é constituída por diversos documentos (artigos 57.º do CCP), todos devidamente assinados pelo concorrente ou por representante que tenha poderes para o obrigar, como dispõe, expressamente, o n.º 4 do artigo 57.º do CCP.
Um documento é, na acepção do artigo 362.º do Código Civil, “qualquer objecto elaborado pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto”. E um documento electrónico é uma estrutura composta, integrada pelo documento em formato electrónico, que inclui um conteúdo determinado (texto, áudio, vídeo…) elaborado por um autor, a que se somam as especificações técnicas de formatação que lhe estão subjacentes (os metadados) e que permitem a transmissão do conteúdo entre terminais segundo uma “linguagem programática de conteúdos digitais” (no caso, por exemplo, da comunicação no âmbito do sistema de Administração Europeia as especificações são as do formato “message-based information exchanges” -in Analysis of strutured e-Document formats used in Trans-European Systems).
Já a assinatura é o elemento que permite fazer prova plena quanto às declarações contempladas no documento particular assinado em relação ao seu autor (artigos 373.º - 378.º Código Civil). No caso da assinatura “manual”, a lei civil estipula as regras que determinam a sua autenticidade ou a produção deste efeito (seja por reconhecimento, seja por não impugnação, seja por determinação legal ou judicial de autenticidade – artigo 374.º do Código Civil). Já no caso da assinatura electrónica, para efeitos de actos praticados no âmbito de procedimentos de contratação pública desmaterializados com recurso à utilização de plataformas electrónicas, a lei exige que sejam utilizados determinados requisitos, a saber: “a utilização de mecanismos de autenticação e assinatura electrónica com certificados qualificados emitidos por entidades que constem na Trusted-Service Status List, nomeadamente, o constante do cartão de cidadão” e “a garantia do processo de verificação das características do certificado qualificado para assinatura electrónica de documentos;” (artigo 30.º, n.º 1, als. l) e s) da Lei n.º 96/2015). Neste caso, a autenticidade da assinatura depende de os documentos submetidos serem assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada (isto é, mediante assinatura electrónica que use certificados qualificados exigidos e reconhecidos pela lei) nos termos do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015. Estes certificados qualificados são o instrumento que recria no ambiente desmaterializado e digitalizado a autenticidade da assinatura e, por isso, a prova plena da declaração atribuída ao autor do documento.
Concluímos, assim, que no ambiente desmaterializado é possível “reproduzir” as regras de certeza dos negócios jurídicos e das declarações negociais que a lei civil impõe e que foram concebidas para o plano dos actos materiais (em suporte físico, maioritariamente, em papel).”.