JURISPRUDÊNCIA

Responsabilidade Civil. Queda na via pública. Alteração da matéria de facto.
O Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. 369/11.1 BELLE), de 11-05-2023, conclui o seguinte:
“I - Para a alteração da matéria de facto, a lei exige que o recorrente especifique, obrigatoriamente, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas que em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida.
O ónus imposto ao recorrente traduz-se, pois, na necessidade de circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando, claramente, qual a parcela ou segmento - o ponto ou pontos da matéria de facto - da decisão proferida que considera viciada por erro de julgamento.
O recorrente não se pode limitar a fazer uma impugnação genérica, tem de concretizar, um a um, quais os pontos de facto que considera mal julgados, seja por terem sido dados como provados, seja por terem sido considerados como tal, devendo, ainda, indicar, em relação a cada um dos pontos que considera mal julgados, quais os meios de prova que, em sua opinião, levariam a uma decisão diferente.
II – O Município é responsável pelo "mau estado" dos passeios, por onde circulam peões e, que, em concreto e comprovadamente, determinem a queda de munícipes, pois que não é suposto que do solo em área pedonal, surjam raízes suscetíveis de fazer cair os cidadãos que aí circulem, pois que a normal circulação em área urbana e pedonal não deve ser encarada como se de uma gincana se tratasse.
A autarquia tem a obrigação de manter as vias de circulação e os passeios limpos, transitáveis, seguros e sem obstáculos suscetíveis de provocar acidentes.
III – Assim, como decorre dos artigo 7.º, n.º1 da Lei 67/2007 de 31-12, “O Estado e as demais pessoas coletivas de direito público são exclusivamente responsáveis pelos danos que resultem de ações ou omissões ilícitas, cometidas com culpa leve, pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, no exercício da função administrativa e por causa desse exercício.“
As simples omissões dão lugar à obrigação de reparar os danos, quando havia por força da lei o dever de praticar o ato omitido. Art. 486.º do CC.
Por outro lado, a presunção de culpa in vigilando estabelecida no art.493.º, n.º 1 do CC é aplicável no domínio da responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas coletivas públicas por factos ilícitos.
IV – Em concreto, estão assim preenchidos e provados os pressupostos da responsabilidade civil ao abrigo dos artigos 483.º do Código Civil e artigos 7.º Lei 67/2007 de 31-12 e como supra exposto, a saber:
- o facto: A queda da Autora, na via pública, ao embater numa raiz que irrompia do chão.
- Ilicitude: A Ré infringiu os deveres objetivos de cuidado e vigilância a que está obrigada, resultante a ofensa á Autora, ao não remover a raiz da via pública.
- culpa/negligência: A Ré não foi diligente, cautelosa e incumpriu nos seus deveres de vigilância, sendo previsível que um tal obstáculo na via pública pudesse causar uma queda a qualquer transeunte.
- Dano: A Autora partiu a tíbia e daí advieram danos patrimoniais e não patrimoniais.
- Nexo causal entre o facto e o dano: Foi em virtude do embate na raiz que a A. caiu e sofreu os danos.
V - Sempre caberia ao Município fazer prova que não teve culpa no evento gerador de danos bem como de que empregou todas as providências exigidas pelas circunstâncias adequadas a evitá-lo, sendo que em momento algum do decidido resulta que o Município tenha tomado as devidas medidas de segurança e zelo para manter a via segura.”