JURISPRUDÊNCIA
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Proc. 0875/14.6BEALM), de 20-12-2023
TAXA DE OCUPAÇÃO - DOMÍNIO MUNICIPAL - DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA
Neste acórdão são formuladas as seguintes conclusões:
I - O legislador determinou de forma inequívoca, através do art. 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica, com infra-estruturas e outro equipamento de alta, média e baixa tensão, é comutada pela renda anual paga nos termos do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, «com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».
II - Demonstrado nos autos que entre a ora Recorrente e o Município foi celebrado Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão, no âmbito do qual aquela paga a este uma renda anual, é de concluir que aquele fica isenta do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média e alta tensão.
III - A referida interpretação não viola o disposto nos arts. 238.º e 241.º da CRP (que consagram a autonomia financeira e o poder tributário dos municípios).
O teor integral do acórdão pode ser consultado aqui.
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (Proc. 02181/21.0BEPRT), de 20-12-2023
EMPRESA MUNICIPAL - ENTIDADE ADMINISTRATIVA - ENTIDADES PRIVADAS – ARRENDAMENTO - AUTOTUTELA EXECUTIVA - EXECUÇÃO PARA QUANTIA CERTA – PAGAMENTO - COBRANÇA COERCIVA – RENDA - PODERES DA ADMINISTRAÇÃO
E acórdão sumaria o seguinte:
I - A Autora, criada e totalmente participada pelo Município de Vila Nova de Gaia, entidade que, por esse motivo, sobre aquela tem controle ou domínio com uma influência dominante, nos termos do n.º 1 do artigo 19.º da Lei n.º 50/2012, de 31/08 (Regime Jurídico do Setor Empresarial Local e das Participações Locais) e "constituída sob a forma de pessoa coletiva de direito privado, de natureza municipal, dotada de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e patrimonial" (n.º 1 do artigo 1.º dos Estatutos), é uma empresa local, pertencente à Administração Pública Local Autárquica, enquanto fenómeno da Administração Pública sob forma privada.
II - A Autora, sendo uma entidade administrativa de natureza privada, tem participação exclusivamente pública, integrando a Administração Pública, não sendo a sua natureza jurídica formalmente privada obstáculo a prosseguir o exercício das competências jurídico-públicas atribuídas pelo Município de Vila Nova de Gaia.
III - Prosseguindo e realizando competências jurídico-públicas, a natureza jurídica privada da Autora não afasta a aplicação das normas previstas no Código do Procedimento Administrativo (CPA), antes convoca a sua aplicação nos termos do n.º 1, do seu artigo 2.º.
IV - Têm aplicação à atividade administrativa desenvolvida pela Autora, de exigir o pagamento de rendas em atraso, no âmbito de um contrato de arrendamento apoiado, nos termos dos artigos 38.º e 39.º, n.º 2, alínea a), do Novo Regime do Arrendamento Apoiado para a Habitação, aprovado pela Lei n.º 81/2014, de 19/12, enquanto conduta adotada no exercício de poderes públicos ou regulada de modo específico por disposições de direito administrativo, em consequência dos poderes transferidos pelo Município de Vila Nova de Gaia, as disposições do CPA respeitantes aos princípios gerais, ao procedimento e à atividade administrativa.
V - As normas referentes à “Execução do ato”, previstas no artigo 175.º e 183.º do CPA, a que se refere a Secção V, integram o Capítulo II, “Do ato administrativo”, pertencem à Parte IV, “Da atividade administrativa”, do CPA.
VI - O que traduz que sejam aplicáveis à Autora as normas dos artigos 175.º e seguintes do CPA, em especial, o disposto no n.º 2, do artigo 176.º do CPA, que permite a execução coerciva de obrigações pecuniárias, nos termos do artigo 179.º do CPA.
VII - O artigo 179.º do CPA remete a falta de pagamento voluntário de prestações pecuniárias para o processo de execução fiscal, tal como regulado na legislação do processo tributário, a saber, o Código do Procedimento e Processo Tributário (CPPT), aprovado pelo D.L. n.º 433/99, de 26/10.
VIII - Não tem acolhimento a interpretação estritamente literal do n.º 1 do artigo 179.º do CPA, ao referir-se a “pessoa coletiva pública”, pois além do que decorre do regime normativo aplicável, em especial, quanto à natureza jurídica, atividade prosseguida e poderes conferidos à Recorrente, que determinam que apenas formalmente seja uma pessoa coletiva privada, afigura-se também relevante o segmento da norma do n.º 1, do artigo 179.º do CPA, “ou por ordem desta”, que prevê que outra entidade, agindo por conta da pessoa coletiva pública, possa lançar mão da execução de obrigações pecuniárias.
IX - Assim, em face do disposto no n.º 1 do artigo 179.º do CPA, não é forçoso que o ente jurídico em causa tenha de ser uma pessoa coletiva pública, admitindo-se que possa ser uma outra entidade, agindo sob ordem da pessoa coletiva pública, o que se configura ser o caso.
X - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas, encargos ou despesas, a decisão de promoção da correspondente execução deve ser tomada, em simultâneo, com a decisão do despejo, conferindo-se a competência legal administrativa para determinar o despejo e a sua execução a um órgão administrativo.
XI - Quanto à cobrança da dívida por falta de pagamento de rendas que fundamenta o despejo, no âmbito dos poderes que conferidos pelo n.º 3, do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, sendo a Recorrente uma das entidades referidas no artigo 2.º da referida lei, está legalmente habilitada a praticar um ato administrativo que determine o despejo, no exercício de poderes de autotutela declarativa, assim como, a promoção da execução por rendas em atraso, com base no título executivo que constitui a certidão de dívida, nos termos do artigo 179.º, do CPA, seguindo o processo de execução.
XII - Quando o despejo tenha por fundamento a falta de pagamento de rendas a Recorrente não dispõe apenas da competência legal para tomar a decisão de ordenar o despejo, pois segundo o n.º 3 do artigo 28.º da Lei n.º 81/2014, de 19/12, deve, em simultâneo, promover a execução da dívida por falta de pagamento das rendas, não necessitando de recorrer a tribunal para obter o título executivo, podendo lançar mão dos seus poderes de autotutela declarativa e também executiva, para cobrar coercivamente as dívidas provenientes de falta de pagamento das rendas devidas ao abrigo do contrato administrativo de renda apoiada para habitação, nos termos da Lei n.º 81/2014, de 19/12 e do regime previsto para a execução de obrigações pecuniárias, dos artigos 176.º, n.º 2 e 179.º, do CPA.
XIII - Para a execução de obrigações pecuniárias basta à Recorrente promover a emissão da certidão de dívida, com valor de título executivo e remetê-la ao competente serviço da Administração Tributária para o respetivo procedimento de cobrança coerciva.
XIV - Não carece a Recorrente de tutela judicial para a obtenção de título executivo que permita a cobrança das rendas em dívida, dispondo dos poderes de autotutela executiva.
O teor integral do acórdão pode ser consultado aqui.