Inteligência Artificial na Administração Pública
Já há muito se vem falando na Inteligência Artificial (IA) e na relação entre ela e a Administração Pública (AP). De facto, a IA pode aportar diversos benefícios na formulação de políticas públicas e na disponibilização dos serviços públicos. Entre muitas outras vantagens, destacamos a redução do tempo necessário para executar tarefas pelo ser humano, disponibilizando-o para a realização de trabalho de alto valor/mais complexo, assim como, o aumento da produtividade e da eficiência dos serviços, a interpretação e o processamento de grandes quantidades de dados que permite a identificação de padrões, e bem assim, a simplificação da comunicação e o envolvimento dos cidadãos.
Neste sentido, foi publicada a Resolução do Conselho de Ministros n.º 131/2021 que aprovou a Estratégia para a Transformação Digital da Administração Pública 2021-2026, na sua Linha Estratégica 2. Neste diploma é ressaltada a competência da AP para garantir que utiliza todo o potencial do enorme volume de dados a que tem acesso para prestar serviços públicos, gerir e tomar decisões com base em dados fidedignos e confiáveis, desenvolver serviços com base em tecnologias emergentes, ser mais transparente e potenciar o desenvolvimento de estudos e soluções inovadoras pela sociedade e pelo setor privado, em alinhamento com a Estratégia Europeia para os Dados. Sendo que, para concretizar tamanho objetivo aquele diploma contempla a possibilidade de se implementarem sistemas de IA.
Nesta sequência foi disponibilizado pela Agência para a Modernização Administrativa (AMA) o Guia para a Inteligência Artificial Ética, Transparente e Responsável na Administração Pública, que pode ser consultado aqui. Na sua estrutura, o Guia procura definir o que é a IA e o seu funcionamento, mostrar como está presente na sociedade e identificar alguns dos efeitos decorrentes da sua utilização. Procura, ainda, informar sobre o enquadramento da IA no Mundo e em Portugal, fazendo também referência ao ecossistema de dados na AP e aos princípios que lhe devem estar subjacentes.
Encontramo-nos, assim, num momento de expansão da utilização de técnicas de IA na AP, sendo já conhecidas várias aplicações na maioria das suas áreas de atuação, como na contratação pública, na recolha de resíduos, na rede de transportes, na habitação, entre muitas outras, já que as possibilidades são quase infinitas.
Ao nível da contratação pública, por exemplo, uma vez que esta enverga procedimentos complexos e demorados, a incorporação de tecnologias de IA pode beneficiá-la significativamente. Aliás, uma das aplicações mais promissoras da IA neste domínio é a autonomização da análise de propostas de contratação. De acordo com o artigo publicado por Manuel Monteiro na sua rede social Linkedin em 17/05/2023 (“A Inteligência Artificial e a Administração Local: Como a IA está a transformar a Gestão Pública”), a cidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, adotou um sistema de IA para ajudar na análise de propostas de contratação. O sistema, desenvolvido por uma startup local, utiliza o Natural Language Processing (NLP) para analisar propostas e identificar aquelas que melhor se adequam aos critérios estabelecidos pela cidade. Com isso, a avaliação de cada proposta é agora significativamente mais rápida e eficiente, minimizando-se o risco de erro humano.
Já na Dinamarca, na cidade de Copenhaga, foi implementado um sistema de IA chamado "VendorAI" para ajudar na avaliação de fornecedores, ajudando os trabalhadores a analisar uma vasta gama de dados, incluindo preços de propostas, históricos de desempenho, prazos de entrega, entre outros.
Ao nível da Proteção Civil, a IA pode igualmente revelar-se uma ferramenta valiosa. De acordo com o citado artigo, a cidade de Helsínquia, na Finlândia, implementou um projeto chamado "Climate Watch", que utiliza a IA para monitorizar e prever as ocorrências climatéricas na cidade, o que lhe permite uma melhor organização dos meios necessários e o planeamento dos impactos dessas ocorrências, mitigando os seus efeitos.
No domínio da rede de transportes, Barcelona, em Espanha, está a utilizar a IA através de um sistema denominado "SynchroNet" que permite analisar dados em tempo real sobre o tráfego, a utilização dos transportes públicos, as condições meteorológicas e outros fatores. Este sistema permite àquela cidade fazer recomendações para ajustar as rotas e os horários dos autocarros, reduzir o congestionamento e as emissões de gases de efeitos de estufa.
Outra área que também beneficia da IA é a recolha de resíduos. Um exemplo disso, de acordo com aquele artigo, é a aposta pelas empresas tecnológicas no desenvolvimento e utilização de sensores e IA para melhorar a recolha de resíduos. Estes sensores são colocados em contentores de lixo e transmitem informações sobre o nível de enchimento dos contentores, podendo-se prever quando é que os contentores ficarão cheios e otimizar as rotas de recolha de resíduos para os camiões de lixo.
No nosso território nacional são várias as autarquias locais que já aplicam métodos de IA. Segundo a notícia publicada no site da ECO, em 10/07/2021, por Flávio Nunes (“Inteligência artificial põe estas cidades portuguesas a um passo do futuro”), a autarquia de Lisboa já teve um veículo adaptado, ao abrigo de uma parceria, a percorrer as ruas da cidade à procura de resíduos, sendo que o mesmo era capaz de detetar beatas, cigarros, vidros e folhas de árvore. Por seu turno, a Câmara Municipal de Matosinhos já testou um sistema de IA aplicada ao controlo e gestão de edifícios, orientado para a respetiva eficiência energética, com várias funcionalidades, como uma aplicação móvel para os utilizadores que recolhe informações sobre a sua sensação de conforto com o espaço, nomeadamente no que respeita a luminosidade, temperatura, conforto, posição no edifício, perfil de consumo, entre outros, e que permitirá uma adaptação automática do espaço às preferências do habitante. Também a Câmara Municipal do Porto, no seu relatório de atividades de 2019, deu conta de um projeto de inteligência artificial” aplicado à área financeira, designado Robotics Process Automation. O projeto consistiu “na robotização de processos de negócio através da utilização, em larga escala, de um software específico que possibilita simular a execução humana de tarefas repetitivas”. Ainda, a Câmara de Cascais tem apostado em centros de controlo que permitem gerir em tempo real as diferentes componentes da vida urbana, desde a segurança, mobilidade, tráfego, limpeza urbana e ambiente.
The last but not the least, a Câmara Municipal de Guimarães encontra-se na vanguarda da utilização de aplicações de IA em várias áreas. Na verdade, já se encontram implementadas ferramentas que permitem monitorizar, ao nível da mobilidade, o transporte público, os parques de estacionamento subterrâneo e de superfície, o trânsito e os carregadores de viaturas elétricas; no domínio da micromobilidade, bicicletas e trotinetes elétricas pessoas e viaturas nas principais vias da cidade e ecovia; e ao nível do ambiente, a qualidade do ar, linhas de água, o ruído, a meteorologia e as bacias de retenção do Parque das Hortas.
Como vimos, a lista de vantagens é extensa e os exemplos citados permitem-nos ter uma ideia do potencial transformador da IA no contexto municipal.
Estamos certos de que, à medida que a tecnologia avança, veremos mais sistemas de IA na administração local, capazes de tornar os municípios e as respetivas cidades mais eficientes, seguros e habitáveis, não obstante os vários riscos e desafios que se colocam ao nível do respetivo desenvolvimento e da sua utilização.
Mariana Queirós Almeida
Técnica Superior do Departamento Jurídico

