Os desafios da fiscalização face às recentes alterações legislativas no âmbito do RJUE
A simplificação da atividade administrativa, comumente denominada por SIMPLEX, motivou as recentes alterações legislativas no âmbito do RJUE (Regime Jurídico da Urbanização e Edificação), designadamente as operadas pelo Decreto-Lei n.º 10/2024, de 8 de janeiro, que entrou em vigor no dia 4 de março de 2024.
Esta reforma visou simplificar e agilizar procedimentos, reduzir prazos e aumentar a oferta de habitação, tendo como premissa a responsabilização dos intervenientes (promotores e técnicos) pela compatibilidade dos projetos com as normas urbanísticas aplicáveis.
Alterações que tiveram fortes implicações na atividade desenvolvida na fiscalização de obras particulares, uma vez que: aumentou o número de situações isentas de controlo prévio; o controlo da utilização foi simplificado; o alvará de construção foi substituído pelo recibo de pagamento; foi alargado o leque de obras sujeitas a comunicação prévia, procedimento que permite o início da obra desde que sejam apresentados todos os elementos instrutórios e pagas as respetivas taxas; inexistência de infração para a realização de obras sem licença, entre outras.
Ao longo destes 21 meses foram vários os desafios colocados à fiscalização, desde logo, as dúvidas suscitadas no enquadramento jurídico dos factos face às alterações que carecem de clarificação ou que se revelam incongruentes.
Acresce que esta mudança de paradigma – a passagem do controlo total antes da obra para o controlo sucessivo - que depende da conformidade declarada pelos técnicos dos promotores, exige que a fiscalização seja feita de forma célere e eficaz e implica uma maior capacitação, formação e habilitação dos técnicos que procedem a essa fiscalização. Nesse sentido, tornou-se imperioso contratar arquitetos para verificação, sobretudo, da conformidade da obra com o projeto aprovado e de engenheiros para avaliação de questões relacionadas com as especialidades.
Algumas das alterações ocasionaram um aumento de queixas, designadamente as relacionadas com as obras de alteração de função de frações destinadas a escritórios, comércio ou serviços para habitação, uma vez que deixou de ser necessária, para o efeito, a autorização dos condóminos nos prédios constituídos em propriedade horizontal.
Foram muitas as queixas apresentadas relativas as obras realizadas no interior de frações, as quais não carecem de controlo prévio e, desde que sejam cumpridas as normas legais e regulamentares, pode ser alterada a função através da apresentação de comunicação prévia com prazo sem que os restantes proprietários se possam opor.
Outra situação desafiante é a que se tem verificado nas obras de alteração interior com modificações na estrutura de estabilidade. Tais obras são agora isentas de controlo prévio, prevendo-se que, no ato de fiscalização, seja apresentado termo de responsabilidade emitido por técnico habilitado, de acordo com a legislação em vigor, no qual se ateste que as obras melhoram ou não prejudicam a estrutura de estabilidade do edifício. Sucede que, nas situações detetadas, não foi apresentado tal termo nem o mesmo sequer tinha sido emitido. Uma vez constatado o incumprimento desse normativo e, como não se encontra clarificada qual a medida de tutela da legalidade urbanística aplicável para o efeito, foi delineado o seguinte procedimento: notificação para apresentação num curto prazo do referido termo, sob pena de embargo dos trabalhos.
Na proposta de Lei aprovada pelo Governo no Conselho de Ministros do passado dia 28 de novembro e que já deu entrada na Assembleia da República, estão previstas novas alterações legislativas ao RJUE.
Mais uma vez é vincado o entendimento de que a fiscalização deve ser feita essencialmente à posteriori e que o ónus de garantir a legalidade da operação urbanística é do promotor e dos técnicos responsáveis.
Todavia, a experiência adquirida permite-nos concluir que a ideia do legislador de que os promotores e seus técnicos são responsáveis e garante da conformidade dos projetos com a Lei e instrumentos de gestão territorial é desfasada da realidade, na medida em que as consequências (sanções) das inconformidades detetadas não se revelam suficientemente dissuasoras e sua aplicação é, em regra, demorada, colocando em causa o propósito dessa responsabilização.
Mas mais desafios se perspetivam se tais alterações forem aprovadas, designadamente o que deriva da alteração do prazo de caducidade do controlo sucessivo, isto é, da verificação da legalidade dos projetos submetidos via comunicação prévia, o qual é fixado em 1 ano, salvo se o edifício ou fração começar a ser utilizado antes desse ano terminar, caso em que o prazo de controlo caduca automaticamente na data de início da utilização. Ora, na redação atualmente em vigor, esse prazo é de 10 anos.
Em jeito de conclusão:
As alterações legislativas operadas no RJUE e que se projetam para futuro oneram a fiscalização dos municípios com a necessidade de reforço da fiscalização e de formação e habilitação dos seus técnicos, uma vez que as dificuldades inerentes aos mecanismos de reposição da legalidade urbanística, só podem ser debeladas com ações de fiscalização sistemáticas, céleres, eficazes e convenientemente planeadas e preparadas.
Helena Gomes
Chefe da Divisão de Fiscalização

