Fenómenos jazzísticos alcançam Guimarães nas próximas duas semanas
Linguagens universais do jazz e relações (novas e duradouras) dão voz à 31ª edição do Guimarães Jazz com artistas como Dianne Reeves, Linda May Han Oh, Hamid Drake, David Murray, entre muitos outros, e cerca de 80 músicos portugueses em cartaz
Previsão de fenómenos jazzísticos põe em alerta todos os que se proponham a visitar Guimarães entre 10 e 19 de novembro, com risco de movimento inesperado, interseção de composições e de improvisação, que podem levar à exploração de ritmos surpreendentes, atingindo dimensões distintas compreendidas através de várias linguagens que desafiam categorizações, evoluindo para uma harmonização. Simplificando, tudo se resume à 31ª edição do Guimarães Jazz, festival que se vai expressar com epicentro no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), alastrando-se ao Centro Internacional das Artes José de Guimarães e ao Convívio Associação Cultural.
E sempre na boa companhia de nomes como Dianne Reeves, Linda May Han Oh, Benjamin Koppel, Anders Koppel, Martin Andersen, Hamid Drake, Manuel de Oliveira, Jorge Pardo, Carles Benavent & Orquestra de Guimarães, David Murray, Victor Garcia, Orquestra Jazz de Matosinhos & Ethan Iverson e David Virelles, entre outros, preparados para entrar em ação, encarando de frente 12 concertos, jam sessions e oficinas de jazz. Guimarães continua assim na rota da celebração e divulgação de uma das mais importantes e influentes expressões musicais do século XX, com vista para o seu legado, atualidade e futuro.
Fenómenos jazzísticos prometem assim evoluir de forma orgânica, inter-estilística e sem fonteiras no seio do inesgotável universo desta música a partir desta quinta-feira, 10 de novembro, às 21h30. Tudo começa com um olhar em sobrevoo pela história do jazz que nos permite constatar que os músicos que atingiram os maiores patamares de popularidade no gosto público foram sempre, genericamente falando, os seus vocalistas. Artistas como Louis Armstrong, Ella Fitzgerald ou Nina Simone, entre outros, inscreveram a sua voz no imaginário popular, primeiro nos Estados Unidos da América e mais tarde em todo o mundo. Um olhar que nos conduz a Dianne Reeves – ladeada por Edward Simon, Romero Lubambo, Reuben Rogers e Terreon Gully –, artista considerada pela crítica a herdeira deste legado de vozes poderosas, sendo atualmente uma das vocalistas proeminentes da paisagem estelar do jazz contemporâneo norte-americano, estatuto comprovado pelos inúmeros prémios e reconhecimentos honoríficos que lhe foram atribuídos ao longo dos seus quarenta anos de careira, incluindo três Grammys consecutivos e a atribuição do prestigiado Jazz Master Award.
A viagem segue com rumo a Linda May Han Oh, contrabaixista australiana de origem malaia e baseada em Nova Iorque que, no dia 11, à mesma hora, nos promete assolar com o seu quarteto formado por três músicos prestigiados da música contemporânea – o saxofonista Greg Ward, o guitarrista Matthew Stevens e o baterista Jeff Ballard. A artista, que havia visitado este festival em formatos diferentes traz um disco novo na bagagem – “Aventurine”, lançado em 2019 – para este concerto em que surge como líder. Juntando às suas qualidades de contrabaixista a composição, é já extensa a sua carreira e a lista de distinções internacionais (como eleição de baixista do ano em várias publicações da especialidade), elogios da crítica como é exemplo no The Wall Street Journal – “o seu alcance inovador e improvisações estelares fazem dela uma das estrelas em ascensão mais dinâmicas do jazz hoje.” – e colaborações, seja em atuações ou gravações, com artistas como Pat Metheny, Kenny Barron, Joe Lovano, Dave Douglas, Terri Lyne Carrington, Geri Allen, Ambrose Akinmusire ou Vijay Iyer. Multifacetada, Linda é também professora no reputado Berklee College of Music e compõe regularmente para cinema, tendo-se destacado recentemente ao apresentar-se em quarteto no filme "Soul", da Pixar, tocando baixo sob a direção musical de Jon Batiste (The Late Show with Stephen Colbert) ao lado do baterista Roy Haynes.
O sábado, dia 12, leva-nos a viver experiências distintas entre a tarde (17h00) e noite (21h30). Tal como em edições recentes do Guimarães Jazz, o Pequeno Auditório do CCVF revela-se o palco ideal para a apresentação de alguns dos projetos mais desafiantes e idiossincráticos do jazz europeu, como é o caso daquele que agora nos visita, o Benjamin Koppel, Anders Koppel and Martin Andersen Trio. Esta formação que une duas gerações da música dinamarquesa, complementadas pela presença do baterista Martin Andersen, consiste num projeto inédito, caracterizado sobretudo pela tentativa de conciliação da tradição clássica com a expressão informalizada do jazz, manifestada numa música versátil e dialogante com a contemporaneidade.
Mais tarde, neste mesmo dia, é tempo de celebrar o legado musical de Alice Coltrane às mãos do notável percussionista e improvisador Hamid Drake. O facto do legado musical de Alice ter permanecido no nosso imaginário coletivo e ser hoje mais admirada e ouvida do que no seu próprio tempo talvez seja um dos sintomas da necessidade de reencontro com uma arte aspirante a patamares elevados de consciência. É, por isso, com júbilo que esta edição do Guimarães Jazz apresenta o espetáculo “Turiya: Honoring Alice Coltrane”, conceptualizado e liderado por Hamid Drake, praticante de uma música espiritual em plena sintonia com o espírito da grande harpista norte-americana que, em sincronia com o seu companheiro de vida e de criação artística John Coltrane, contribuiu decisivamente para moldar o jazz nas suas vidas posteriores. A homenagem de Hamid Drake à música de Alice Coltrane envolve um ensemble instrumentalmente invulgar e eclético composto por músicos europeus e norte-americanos, expandido pelo contributo performático e as palavras da dançarina Ndoho Ange.
Sendo uma das vertentes mais entusiasmantes do Guimarães Jazz, é no domingo 13 que se reabre a oportunidade que o festival proporciona todos os anos aos alunos de jazz de estabelecer contacto criativo direto com instrumentistas do mais alto nível jazzístico. Nesta edição de 2022, será o trompetista e compositor Victor Garcia o responsável por dirigir o concerto inédito que a Big Band da ESMAE (Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo) irá protagonizar pelas 17h00, cumprindo assim um dos objetivos pedagógicos que são parte integrante do festival. Victor Garcia é um músico proeminente da cena jazzística de Chicago que tem colaborado com grandes figuras da música contemporânea, tais como, entre outras, Aretha Franklin, Wynton e Branford Marsalis ou Randy Brecker, e atuado um pouco por todo o mundo, ao mesmo tempo que leciona em várias universidades norte-americanas.
Ainda no domingo, o festival transporta-nos até ao CIAJG às 21h30 para consumar uma nova edição de outra parceria. Este ano, o projeto multidisciplinar proposto pela associação Porta-Jazz em parceria com o festival é o espetáculo “matriz_motriz”, um ensemble de guitarra, eletrónica, piano e voz expandido pela presença performática e coreografia da artista norte-americana Brittanie Brown. Descrito pelo seu fundador, o guitarrista Mané Fernandes, como um exercício sobre “a especificidade do movimento”, este projeto define-se musicalmente pela interseção de técnicas mistas de improvisação, micro-composição e exploração de ritmos alternativos, três dimensões distintas percebidas não apenas como sons, mas como matrizes para uma dança que dialoga em tempo real com a música de Mané Fernandes e João Grilo e com as vozes de Mariana Dionísio, Sofia Sá e Vera Morais. No final do concerto, nota para a apresentação do CD Porta-Jazz / Guimarães Jazz 2021, disco resultante do projeto apresentado na 30ª edição deste festival por um quinteto liderado pela performer Inês Malheiro, em colaboração com a artista Carolina Fangueiro.
A segunda vaga de espetáculos desta edição arranca com o Guimarães Jazz a inaugurar uma nova parceria com a Universidade de Aveiro, mais concretamente com o seu Centro de Estudos de Jazz (CEJ), apresentado, às 21h30 de 15 de novembro, a formação que mereceu o prémio de Melhor Ensemble e Melhor Arranjo Original no II Concurso Internacional de Jazz da Universidade de Aveiro: o trio THEMANUS, criado por Afonso Silva, saxofonista e compositor, coliderado pelo baterista Eduardo Carneiro e pelo guitarrista Ricardo Alves. Outra parceria deste festival, iniciada há cinco anos com o coletivo portuense Sonoscopia, mostra-se ao público a 16 de novembro à mesma hora, propondo o duo entre o australiano Will Guthrie e o português David Maranha, um projeto que desafia categorizações através da harmonização de diferentes tipologias musicais (drone music, psicadelismo, krautrock e, claro, jazz) numa linguagem comum.
O compromisso assumido pelo Guimarães Jazz no sentido do aprofundamento das suas ligações com a comunidade assume uma das suas formas mais visíveis na parceria, estabelecida desde há alguns anos, entre o festival e a Orquestra de Guimarães. Em 2022 (a 17 de novembro, às 21h30), o projeto que a ainda jovem formação orquestral vimaranense irá abraçar é a reinterpretação, sob a direção musical de Carlos Garcia, do álbum “Ibéria”, de Manuel de Oliveira, compositor e guitarrista também natural de Guimarães, aos quais se juntam em palco dois músicos espanhóis reconhecidos internacionalmente, Jorge Pardo e Carles Benavent.
O saxofonista David Murray, presente pela primeira vez na edição de 2014 do Guimarães Jazz com o celebrado Infinity Quartet, apresenta nesta edição do festival o projeto David Murray Octet Revival na sexta-feira, 18 de novembro, às 21h30. O último sábado do festival volta a ser granjeado com dois concertos. Às 17h30, somos bem confrontados com o Victor Garcia Group, liderado por um dos representantes da nova geração do jazz de Chicago, o talentoso trompetista e compositor de ascendência latino-americana. Para além de dirigir a Big Band da ESMAE, Garcia atua também em quinteto (uma formação clássica de teclas, contrabaixo e bateria, que inclui a vocalista Jill Katona) no último dia do Guimarães Jazz.
No fecho deste turbilhão jazzístico, o festival encerra-se às 21h30 em formato orquestral, como já é sua tradição. Considerada hoje como uma instituição de referência nacional, a Orquestra Jazz de Matosinhos terá a responsabilidade de concluir a edição de 2022 do Guimarães Jazz, com a apresentação do espetáculo “Jazz In the Space Age”, um concerto em que prestará homenagem, interpretando-o, ao álbum homónimo de George Russell, um compositor e teórico musical que muitos críticos consideram ser uma das mais influentes personalidades do jazz moderno. A acompanhar o notável conjunto de instrumentistas que compõe esta orquestra (que inclui, entre outros, o saxofonista João Guimarães e o contrabaixista Demian Cabaud), estão dois pianistas emergentes da cena jazzística norte-americana – o norte-americano Ethan Iverson e o cubano sedeado em Nova Iorque David Virelles – para um concerto dirigido por Pedro Guedes.
E tal como sempre acontece todos os anos, os concertos do festival serão acompanhados em paralelo por outras das suas facetas identificadoras: momentos de improvisação que revelam o lado mais informal do jazz, num ambiente mais direto e próximo dos músicos, como são as jam sessions que decorrem no Café Concerto do CCVF (10 a 12 novembro, 00h-02h) e no Convívio Associação (17 a 19 novembro, 00h-02h), este ano lideradas pelo já referido Victor Garcia, acompanhado por um naipe de músicos de grande nível – o pianista Ben Lewis, o baterista Greg Artry, o contrabaixista Josh Ramos e a vocalista Jill Katona; os mesmos artistas – músicos residentes que se deslocam propositadamente dos EUA a convite do festival, fixando-se em Guimarães por duas semanas – são igualmente responsáveis por orientar as oficinas de jazz (14 a 18 novembro, 14h30-17h30), uma experiência única de trabalho criativo com músicos de elevada qualidade técnica, envolvidos num dos contextos mais fervilhantes da criação jazzística contemporânea. As inscrições (gratuitas) nestas oficinas terminam a 7 de novembro e podem ser efetuadas através do formulário disponível online em www.ccvf.pt.
Seguindo a linha dos anos anteriores, a 31ª edição do Guimarães tem momentos de acesso gratuito, bem como bilhetes individuais (entre 7,5 e 15 euros) e assinaturas com valores vantajosos para quem quiser assistir a vários espetáculos (acesso a todos os concertos pelo valor de 90 euros, a 3 concertos à escolha por 35 euros ou a 4 concertos à escolha por 45 euros), podendo a aquisição de ingressos ser realizada nas bilheteiras do Centro Cultural Vila Flor, Centro Internacional das Artes José de Guimarães e Loja Oficina, bem como nas Lojas Fnac, Worten e El Corte Inglés e online em aoficina.pt, onde também é possível aceder à informação do festival.
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