Turismo em Guimarães, do Berço de Portugal à Capital Europeia da Cultura

Mais do que um fenómeno episódico relacionado com eventos específicos, o Turismo em Guimarães representa desde há décadas um ativo económico relevante que, sem prejuízo de variações muito pronunciadas decorrentes diretamente de acontecimentos como a Capital Europeia da Cultura, se pode inscrever numa tendência global de crescimento acelerado da indústria que teve o seu início em meados do século XX.
Como não podia deixar de ser, Guimarães beneficia, como tantas outras cidades no mundo, do boom que a indústria global conheceu nas últimas décadas.
Todavia, há fatores particulares que, objetivamente, nos diferenciam e que, nessa medida, acrescentam valor ao destino Guimarães.
Guimarães é um destino turístico há décadas, muito embora o nosso turismo primordial tivesse uma natureza muito diferente daquela que hoje nos é mais visível.
Situaria a origem remota do estatuto em 1940, ano da celebração nacional dos centenários da Fundação de Portugal e da Restauração da Independência, de que Guimarães foi um dos principais polos. É dessa época que datam as operações de restauro dos monumentos do Monte Latito e a sua consagração como “Colina Sagrada” da fundação de Portugal. O Castelo é restaurado na década de 30 e a Capela de São Miguel entre 1938 e 1940. Três anos antes, em 1937, inicia-se o restauro do Paço dos Duques de Guimarães, que viria a ser inaugurado em 1959, tornando-se Residência Oficial do Presidente da República no Norte do País e o principal atrativo turístico de Guimarães.
Ainda em 1940, a valorização do Monte Latito motivada pelas celebrações dos centenários incluiu também a transferência da Estátua de D. Afonso Henriques, de Soares dos Reis, do Toural para o local onde hoje se encontra.
Ao estatuto simbólico da cidade onde nasceu Portugal, muito vincado pelas comemorações nacionais, alia-se agora um conjunto monumental visitável que confere ao imaginário uma expressão material visualmente encantatória e propensa à efabulação.
Guimarães torna-se, assim, um destino turístico para visitantes nacionais e da diáspora lusófona em demanda da origem das origens, assente como está na sua marcante singularidade histórica e simbólica de berço da nacionalidade.
Mas era a época em que o turismo em Guimarães quase se limitava ao que depreciativamente se designa, ainda hoje, como “turismo de excursão”, que peregrinava a Guimarães para conhecer o Monte Latito e seguia viagem sem sequer pisar o Jardim do Carmo, gerando um impacto económico residual.
Para além desse, o único turismo desse dealbar, que pernoita e começa a ganhar certa expressão, que mantém até hoje, é o turismo de negócios e profissional, gerado pela indústria fortemente exportadora de bens e importadora de maquinaria que se começa a implantar em Guimarães.
O perfil do destino Guimarães e o número de visitantes que atrai só começariam a mudar radicalmente na década de 90 com a aproximação e chegada da autoestrada. Com a abertura do troço da A7 Guimarães-Famalicão, em 1996, e o seu posterior prolongamento para oeste (Póvoa de Varzim, com ligação à Galiza) e para leste (até ao então futuro IP3, que faria a ligação a Chaves), Guimarães torna-se facilmente acessível para o mercado espanhol de proximidade, origem dos mais importantes e numerosos clientes turísticos de toda a região, ainda hoje.
Por outro lado, para um destino com a dimensão de Guimarães, a escala regional é crucial para o tornar competitivo e, com a rede de autoestradas e ip’s a tornar-se cada vez mais capilar, Guimarães viu-se no centro de uma região com múltiplos ativos turísticos e de natureza muito diversa – praias, património, montanha e gastronomia.
Foram estas condições de contexto que permitiram exponenciar os efeitos de outra singularidade de Guimarães, a distinção mais decisiva para a sua internacionalização e para o seu posicionamento e identidade como destino turístico: a inclusão do Centro Histórico na Lista do Património Mundial da UNESCO.
Sendo um dos principais trends turísticos globais, o Turismo cultural sobrevaloriza os destinos que ostentam o “selo” da UNESCO, e fá-lo de forma perene e constante, no nosso caso desde 2001.
Os anos seguintes conheceram um acréscimo substancial de frequência turística, com espanhóis e portugueses expressivamente à frente e com uma incipiente penetração noutros mercados, cenário que só se alteraria anos mais tarde, e uma vez mais com a conjugação de condições de contexto e particulares coincidentes no tempo.
Na senda do crescimento explosivo do trânsito aéreo global, em 2009 a Ryanair abre a sua base no Aeroporto Francisco Sá Carneiro. As viagens low-cost desta e das outras companhias que se lhe seguiram são grandemente tributárias do aumento fulgurante no número de chegadas e partidas: de 4,5 milhões em 2009, o aeroporto movimenta 13,1 milhões de passageiros em 2019, um aumento de quase 300% em 10 anos. No mesmo período, o número de dormidas turísticas na região Norte aumenta de 4,2 para 10,8 milhões.
A região que, entretanto, soma 3 sítios integrando a Lista do Património Mundial da UNESCO e diversas cidades com oferta cada vez mais qualificada, dotada com uma rede de acessibilidades moderna e rápida, torna-se, enfim, um destino internacional relevante.
Ora, é neste contexto amplamente favorável que Guimarães é designada, em 2012, Capital Europeia da Cultura. O retumbante sucesso em que o ano se traduziu em termos turísticos e de comunicação provocou um aumento muito significativo da notoriedade do destino, que se foi prolongando nos anos seguintes, para além de ter otimizado o seu posicionamento, também como destino para o Turismo criativo.
Do lado da oferta, os anos imediatamente anteriores e posteriores a 2012 assistiram a uma significativa diversificação e qualificação do alojamento, da restauração e dos serviços de animação locais, otimizando as condições para que Guimarães se posicionasse para continuar a beneficiar do aumento global de turistas.
O investimento em programação e a disponibilidade de equipamentos, associada à notoriedade e perceção que Guimarães suscita, concorre para a tornar, também, uma cidade de eventos culturais, desportivos, académicos e profissionais que acrescentam frequência turística e diminuem os efeitos da sazonalidade associada ao Turismo de lazer.
De 2013 a 2020, o Paço dos Duques de Bragança, recebeu mais de 2,7 milhões de visitantes, cerca de meio milhão por ano!
De resto, os principais indicadores bateram, em 2019, os “inatingíveis” números de 2012, enquanto o que sabemos de 2022 nos permite antever com alguma segurança que a catástrofe provocada pela pandemia em 2020 e 2021 será rapidamente revertida.
Para o futuro, os objetivos a atingir estão inscritos na estratégia de reposicionamento da marca “Turismo Guimarães” e procuram corresponder aos desafios deste tempo: o reforço da oferta de Turismo de natureza, a valorização do território e consequente diversificação de atrativos turísticos com vista ao aumento da permanência, a afirmação como destino não massificado e a diferenciação pelo fortalecimento do papel dos cidadãos como principais promotores e melhores anfitriões.
Por:
José Nobre, Diretor do Departamento de Cultura e Turismo da Câmara Municipal de Guimarães,
Outubro de 2022